domingo, 9 de outubro de 2011

Era passar a faca no canto da pia e o gato pular do telhado

Da. Maria e o neto Cleber


Sr. Osvaldo, Da. Maria e o sócio Adolfo Teixeira
Até alguns anos passados, as pias de granilite e os pesados tanques de cimento eram comuns nas casas. Naquele tempo, faca de inox era coisa muito moderna, artigo de luxo, considerado um presentão de casamento. As facas antigas, feitas de retalhos de serrote do tipo trançador, os mesmos que derrubaram boa parte das nossas matas, eram as preferidas das donas de casa.
Bastava uma ou duas passadas no canto da pia e pronto que o corte voltava rapidinho. Não raro, o gato que estava tomando sol no telhado já pulava no terreiro e corria para a cozinha. Gato esperto sabia que som de faca na beira da pia significava que a mistura do dia era peixe e sempre sobrava uma barrigada ou a cabeça para o deleite dos felinos.
Foi assim que Maria Prates de Carvalho, conhecida como ‘dona Maria da banca do peixe’, iniciou o bate papo para nos contar um pouco da sua história. Ela tem 55 anos só de feira-livre, uma vida como ela mesma diz. E adora o que faz. Começou acompanhando o primeiro marido, o senhor Osvaldo José de Carvalho; e, desde então, não parou mais.
Pouca gente tem a mesma habilidade para limpar peixe. Sobre uma pilha de caixas de plástico e uma tábua, ela improvisa a bancada ao lado da banca e vai tirando a barrigada. Tira a escama, corta o rabo ou a cabeça, tira a espinha central, separa o peixe em duas bandas e tira até a pele, tudo ao gosto do freguês.
Dona Maria contou que quando a feira era ainda na Sampaio Vidal, as bancas de peixe ficavam bem pertinho da agência dos Correios. O número de peixeiros era bem maior, tomavam conta de um lado inteiro do quarteirão. No final da feira, a prefeitura mandava um caminhão tanque para lavar a rua e, mesmo assim, o cheiro forte de peixe continuava no dia seguinte. Entre outros feirantes, dividia espaço com dois amigos japoneses, o Sakai do pito e o Kossaka.
Nesta época, os peixes vinham do Rio Paranasão e do Rio Feio, mais precisamente de Panorama e do Salto Botelho, próximo a Lucélia, cidade onde moravam. Montados no caminhão Ford, modelo F600, saíam na madrugada do sábado com destino a Marília e voltavam só na segunda-feira. A pesca era incumbência do próprio marido e do sócio, o amigo Adolfo Teixeira, que traziam do rio os Pacus, as Jurupocas, Pintados, Dourados, a Piracanjuba, e os Barbados, vendidos aos pedaços na banca.
O gelo para conservar o pescado era comprado na Bavária e colocado em pesadas caixas de madeira. Depois, era coberto com palha de arroz para evitar o derretimento mais rápido. As caixas de isopor surgiram nesta história por volta de 1965, tornando o serviço um pouco mais leve e diminuindo o consumo de gelo.
Com a regulamentação da pesca, hoje, a banca exibe poucos exemplares da água doce. O mais comum é a sardinha, que chegou bem depois, devido ao aumento da colônia japonesa em nossa cidade, que dava preferência pela iguaria. As caixas vinham de trem, direto do porto de Santos, daí a expressão sardinha fresca.
Dona Maria conta também que já limpou, em um único domingo, mais de 100 quilos de sardinha. Haja braço e disposição. Com o passar do tempo e a facilidade dos açougues, o hábito de comer peixe diminuiu muito. Tem também esta história de que a mulher moderna não gosta de cheiro de peixe na cozinha, mas, ainda assim, a sardinha fresca é a campeã de venda. Mas tem que ser vendida limpa e lavada. É chegar em casa, jogar o tempero e fritar.
A filha, Neide José de Carvalho, é a sua fiel companheira há 34 anos. Nesta lida de montar e desmontar banca, de feira em feira, são cinco por semana, formaram uma amizade que transcende o grau de parentesco. Dona Maria diz que adora o que faz e não pretende parar de trabalhar tão cedo. Criou os filhos e viu os netos crescerem com a alegria de toda mãe, e de avó, que sabe que fez e faz o melhor por todos.
Ela tem o coração do mesmo tamanho do sorriso que distribui a todos os fregueses.

Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, coluna Raízes, em 09/10/2010



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