segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ruas dos mirantes, dos aviões e das garças


Radioescutas marilienses no aeroporto
O período de festas natalinas e a chegada do ano novo são também tempo de desacelerar a vida. Mesmo estando no interior paulista, vivemos sob rotinas e atividades que nos fazem constantemente manter um olho no relógio e outro na agenda. Dá a impressão de que nos faltam horas no dia.

Nestes últimos tempos, uma nova agravante contribui para este sentimento. Marília já tem os grandes congestionamentos, os gargalos no trânsito que ocorrem nos horários de picos. Na Vicente Ferreira, acesso para a Tiradentes e para a zona leste, no final da Castro Alves, na Avenida República, sentido bairro-centro, Rua Nove de Julho, Rua São Luiz, entre outras.



Foi numa conversa com amigos sobre o crescimento da cidade e este sentimento de perda de qualidade de vida que me fizeram a pergunta: Você tem alguma sugestão de locais onde seja possível passar alguns bons momentos, fazer umas fotos, admirar o pôr do sol e curtir mais esta cidade? Disse que sim e, apesar de Marília não ser uma cidade plana, é possível fazer bons circuitos de lazer utilizando bicicletas.  

Via Expressa
Foi então que apresentei uma rota de caminhos e pontos de onde se tem boas vistas, da cidade e dos vales. São os “Mirantes”, que apesar de não formalizados turisticamente, são locais muito agradáveis e de fácil acesso. Confiram algumas opções: começo pelo Mirante da Via Expressa, com vista para o imenso vale que se abre à frente, logo após a passagem sobre o viaduto que limita a Av. Sampaio Vidal com a via Expressa. Evite parar na curva, siga adiante mais uns 40 metros, e dali se tem a melhor vista do Vale dos Dinossauros.

Outro local fantástico é no final da Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes. Já na estrada de terra, no ponto onde hoje está a central de controle de distribuição da Gás Brasiliano, com duas possibilidades: seguir em frente e apreciar toda a paisagem da Serra de Dirceu, ou virar à direita, tendo acesso a uma bela estrada que nos leva ao conjunto de chácaras e pequenos sítios. Bons ventos, muito verde, visão privilegiada das encostas.

No Jardim Lavínia
Para quem gosta de apreciar os esportes radicais, lá no Jardim Lavínia, nos finais de semana, é o ponto de encontro da turma que pratica o voo livre com parapente, também conhecido como “a rampa do Lavínia”. O local é propriedade privada, mas o dono da terra permite que a moçada entre e desça com os veículos levando os equipamentos. Se for visitar, leve água potável, protetor solar e umas frutas, pois é certo que, se os ventos estiverem favoráveis, vai permanecer por ali umas boas horas.

Outro ponto de encontro de amigos é o terreno ao lado da pista do aeroporto local. Mais precisamente na Rua Antonio Grassi, com acesso pela Av. Brigadeiro Eduardo Gomes. Assim que passar o bosque municipal, entre à direita e siga até o final. Aos domingos, com tempo bom, a partir das 15 horas, a turma dos radioescutas se junta, e leva toda uma parafernália tecnológica para monitorar o movimento de aeronaves no território brasileiro.

Além dos rádios receptores, que permitem acompanhar os diálogos entre os pilotos com os aeroportos de destino, contam também com radares em tempo real e câmeras fotográficas em punho. O desafio é localizar e registrar fotos das aeronaves que passam sobre a rota aérea de Marília. Essa turma é descontraída, receptiva e sempre uma boa oportunidade de conhecer mais sobre estas máquinas voadoras que tanto nos encantam.

Serra de Avencas
Não poderia deixar de constar na lista a Serra de Avencas, este sim um mirante natural com vistas para todo o Vale da “Flor Roxa”, nome da principal fazenda da nossa zona rural e, na minha opinião, um dos locais mais belos do região. Tem área boa de estacionamento de veículos e dá para subir ao topo da serra, sem a necessidade de equipamentos especiais.  Aproveite a vista, o vento que sopra com mais intensidade, e procure registrar a variedade de cantos de pássaros silvestres.

Uma outra dica é a Rua Eugênia Freire Nunes, mais para a zona sul da cidade. Para facilitar a localização geográfica, esta r
ua fica exatamente do outro lado do "Vale do Barbosa", de onde se avistam os condomínios Parque Serra Dourada e Vale do Canaã. Foi a galera do voo livre que me convidou certo dia para registrar alguns saltos e, desde então, descobri mais uma tela natural da cidade. No fundo do vale, se avista a represa da Unimar e, com um pouco de sorte, a tarde poderá nos presentear com algumas nuvens esparsas no céu, transpassadas por raios solares.
E, para completar o circuito, visite o “Ninhal das Garças”. Fica logo atrás do Hospital Universitário, na Rua Emílio Moreti, acesso por asfalto. A partir das 17 horas, uma quantidade incrível de garças brancas toma conta da copa de uma enorme árvore. A paisagem vai se transformando, chegam aos bandos e, antes do pouso, fazem um sobrevoo de reconhecimento pela área.

Todas as dicas acima não exigem maiores esforços físicos, apenas a disposição de desligar-se do que nos consome. Compartilhe! 

Publicado no Jornal Diário de Marília, em 21/12/14 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Arcoverde, a rua do Correio


O Cardeal Arcoverde
Já comentei que algumas ruas acabam perdendo a identidade e passam a ser mais conhecidas pela referência popular, conquistada ao longo dos anos, o que podemos dizer que foi um apelido que colou. Temos vários exemplos, entre eles: a "rua do bosque", referência à Brigadeiro Gomes, a "rua da Prefeitura", que é a rua Bahia, "a rua da Antarctica", que mesmo com o passar dos anos ainda continua sendo a primeira identidade da Av. Castro Alves, e  a "rua do MAC", referência à Av. Vicente Ferreira.
É um recurso de memória fácil de ser utilizado e que acionamos de imediato quando alguém nos pede uma informação sobre determinado serviço público ou estabelecimento. Fazemos da referência principal o centro da atenção, e transportamos mentalmente o nosso interlocutor até aquele ponto. A partir dele, traçamos o trajeto de acesso ao ponto desejado. Creio que isso é coisa bem brasileira e facilita a comunicação.
Faço esta introdução porque eu mesmo tenho uma grande dificuldade de guardar nomes de ruas, porém, as referências geográficas visuais são para mim um recurso de primeira mão. Quando mais jovem, me aventurei em viagem por conta própria. Acabava de receber o primeiro salário e fazia parte dos projetos uma visita ao amigo Júlio, mariliense que havia se mudado para São Paulo.
E lá fui eu. O destino final era o bairro São João Clímaco, Rua Pelegrino Varane, residência da  família Esteves; o pai, Francisco, trabalhou por anos na Antarctica; dona Olinda, a mãe, foi costureira das melhores, na Rua Coelho Neto, onde hoje está a indústria Marcom. Já na capital me indicaram ir até o Parque Dom Pedro, donde deveria me informar sobre a linha de ônibus que me levaria ao endereço. Andei tudo a pé, era muita novidade, e um misto de euforia com zonzeira me tomou conta. Então, decidi que o famoso prédio do Banespa seria o meu norte, o meu centro geográfico.
Antes de seguir ao Parque Dom Pedro, eu queria conhecer o Sujinho, a boca do lixo, o Filé do Moraes, a Rua Santa Ifigênia, a Av. Ipiranga, esquina com a São João, a Bela Cintra... Até então, tinha visto tudo aquilo nos jornais e nas revistas. Era um sonho que se realizava. Cortava galerias, atravessava avenidas, observava as pessoas naquele ritmo doido, e fui ao Mappin, ahhhh ! o Mappin, eu estava lá e nem acreditava...
Saí do Mappin e busquei com os olhos a torre do Banespa, daí, já sabia qual direção tomar até chegar ao Parque Dom Pedro. Para encurtar a história, chegando ao terminal do parque, passa na minha frente um ônibus prata com as inscrições na lateral: "São João Clímaco" e eu pulei dentro, mais rápido que gato fugido de pega de cachorro de rua. Por sorte, depois de passar pela Estrada das Lágrimas, descobri que o acaso havia conspirado a meu favor e o tal ônibus me levaria até bem próximo do local desejado. Foi o cobrador quem me contou que São João Clímaco era o nome da empresa de transporte público, concessionária de várias linhas na capital. Ufa!
É assim que a Rua Arcoverde, em Marília, é conhecida também como a "Rua do Correio". Caiu no consciente coletivo popular a partir da instalação da sede própria da empresa de Correios e Telégrafos, na esquina com a Sampaio Vidal. Antes, funcionava na Rua 4 de Abril, esquina com a Campos Sales. No livro do historiador Paulo Lara, encontramos boas narrativas sobre o tema.
Destaco entre elas o fato dos Correios, em certo período da história, competirem com a Companhia Paulista de Estrada de Ferro, visto que em todas as estações havia um posto de telégrafo. Na mesma obra, lê-se: "... Mas o serviço telegráfico da hoje Fepasa não mais existe e o dos Correios e Telégrafos se aperfeiçoou bastante,inclusive com o ‘Telegrama Fonado’ há alguns anos introduzido com reais vantagens."  (o livro é de janeiro de 1991)
Antiga sede da biblioteca municipal
O terreno dos Correios era propriedade dos irmãos Casadei, foi desapropriado pelo prefeito João Neves Camargo e passou por boa reforma neste ano de 2014, adaptando-se às normas de acessibilidade e com visual e instalações mais modernas.
O mesmo autor nos relata em outra publicação: "Primeiramente chamou-se ‘1º de Março’. Talvez fosse a data do início do loteamento. Depois se chamou ‘Cel. Siqueira Reis’, o primeiro coletor federal de Marília. Vivo este então, mudaram o nome para Arcoverde em homenagem ao 1º Cardeal brasileiro e da América Latina, nascido em Pesqueiro, Pernambuco, em 1850, e falecido em 1930. Seu nome completo era Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti."
biografia
Wilza Matos, bibliotecária da Câmara Municipal e também membro da Comissão de Registros Históricos, faz importante anotação de que na mesma rua residiu, por anos, o pioneiro Sr. Kyomassa Shibuya , um dos fundadores da empresa Sasazaki, grande admirador e cultivador de orquídeas e de bons amigos.
As placas de identificação ao longo da via variam na forma da escrita: Arco Verde e Arcoverde, sendo esta última a forma correta.
 
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 14/12/2014
 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Rua Dr. Pérsio de Carvalho, médico da família


Esta é mais uma daquelas histórias que a gente "emprenha" de orelha. Conhece o termo?

É um ditado popular caipira, muito utilizado para dizer que alguém ouviu um causo e passou para frente, daí dizer: "sobre este assunto, ele, na certa, emprenhou de orelha e passou adiante". Emprenhar, ficar prenha, diz-se do animal que vai dar cria; por exemplo, a vaca está prenha. Resumindo, ouvi e estou passando pra frente do jeito que me foi passado.

Mas a fonte é boa... veio de contador de história que prezo muito, gente que pisou nesta terra no começo da cidade, que vinha lá da Avenca (distrito de Avencas), no lombo de égua mansa, para fazer compras na rua Cel. Galdino e levar pra mãe. Tudo empacotado com papel de embrulho e amarrado com barbante, acomodado depois nos sacos alvejados, próprios para transportar alimentos, ajeitados sobre a cela do animal, que seguia a passos lentos até a morada.

Junto da lista escrita, a mãe dava o dinheiro, meio que na conta certa do valor, escrevendo logo abaixo: se faltar, depois eu mando o resto; anota, por favor. Para alegrar o garoto, hoje nosso contador de histórias, o dono da venda ajeitava um saquinho com doces e balas que ele ia degustando pelo caminho.


Dr. Persio em foto de formatura da medicina 
Naquele tempo, tinha a Santa Casa, a Gota de Leite, a escola de enfermagem, mas também já existia o médico de família, profissional que visitava regularmente as fazendas e atendia com datas pré-agendadas em locais diferentes. Entre os nomes mencionados pelo nosso contador de histórias está o do Doutor Pérsio de Carvalho, patrono de rua no bairro Vila Nova.

Geralmente, os atendimentos eram feitos na sede das fazendas e depois de consultar e medicar o pessoal das colônias, o doutor saía para a redondeza, em lombo de burro ou de Jippe, dependendo das condições do caminho.

Nosso contador de causos diz assim: "na nossa casa sempre tinha uma tira de linguiça e panceta salgada pendurada sobre o fogão de lenha, sempre tinha um porco na lata; era botar a frigideira na chapa do fogão a lenha e, em dois minutos, a travessa farta estava sobre a mesa. Dr. Pérsio chegava, e passava primeiro pela cozinha, donde já se instrumentava de uma faca e corria tirar uma lasca das peças defumadas, comidas com fatias de pão caseiro".

Dona Isabel, anfitriã da casa, era avisada com antecedência sobre a vinda do médico e se incumbia de avisar a vizinhança. Data marcada, notícia vinha de cavaleiro, ou de caminhão da compra, que fazia a rota campo e cidade. O melhor frango do terreiro já era separado. "Prende, e nos próximos dias só milho e água, pra depurá o sangue, Dr. Pérsio vem aí, faço questão que coma bem em nossa casa", dizia Dona Isabel ao filho.

E assim acontecia. O médico chegava e visitava os doentes, as mulheres que estavam esperando criança, as paridas e seus rebentos, os novos e velhos. Entre causos e contos, choros e risos, a fila andava e as receitas iam sendo anotadas e entregues aos pacientes.Tudo sem muita frescura, na sala de chão batido mesmo. Se tinha comprimidos nos bolsos do terno de linho branco, ou na maletinha, já distribuía ali mesmo e dava as recomendações sobre os períodos de resguardo.

Coisa comum naquela época era o tal de furunco, ou furúnculo, na pronúncia correta. Difícil encontrar menino de sítio que não teve pereba ou bicho de pé. Tinha que esperar o tal de furunco ficar maduro. Das duas, uma: espremia pra tirar o carnegão, ou com um pouco de conversa fiada, aquele tio mais querido ia entretendo na conversa, erguia o short e assim que a bunda ficava à mostra e o furunco aparecia... zap, navalha afiada cortava cirurgicamente a pele superficial, fazendo aquilo tudo explodir pra fora, igual pipoca que estoura na panela.

Dr. Pérsio dava uma olhada no serviço feito pelo tio, pra ver se não tinha infecção, e depois recomendava umas pílulas pra evitar que arruinasse. Não raro, ouvia do consultado que a mistura de fumo com urina havia sido aplicada pra garantir. Isto mesmo, fumo de corda com urina já foi remédio contra infecção, e dos bons segundo a crença popular.

Na Cãmara Municipal, título de cidadão Mariliense
Dr. Pérsio de Carvalho, filho de Breno de Carvalho e Antonia Oliveira, nasceu em 7 de setembro do ano 1909, Laranjal-MG. Chegou em Marília no ano de 1.933, trabalhou na Santa Casa e Gota de Leite, foi professor da disciplina de Moléstias Contagiosas na escola de enfermagem. Foi presidente da Associação Paulista de Medicina, membro ativo da comunidade dos Vicentinos e nas campanhas de combate ao câncer e lepra. Sócio fundador do Yara Clube, do Marília Tênis Clube e do Aeroclube de Marília, faleceu em Marília, em 5 de março de 1.986.    

Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.

Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 07/12/14

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Rua Oscar Leopoldino da Silva


As visitas na casa de parentes e amigos, nos finais de semana, são um hábito antigo e comum. Seja pela amizade, pelos laços de parentescos ou mesmo pela necessidade implícita de socializar-se com outros grupos, o fato é que o final de semana vai chegando e os planos começam a ser traçados. Destas visitas, principalmente entre as classes mais populares, surgiu o termo "juntar panelas", que nada mais é do que duas ou mais famílias se confraternizarem, tendo como forte apelo a gastronomia.

De um lado, tem aquela vovó, que cozinha maravilhosamente bem e faz frango ensopado especial, do outro, a norinha, que está chegando agora no novo núcleo familiar, e para agradar a futura sogra propõe fazer uma maionese com ervas aromáticas. A cunhada, especialista em arroz soltinho, dá o grito: "O arroz com carne seca é por minha conta". E o cardápio especial vai ganhando temperos.

Tudo desculpa, a gente bem sabe disso. O que todos querem mesmo é estar junto, com muita contação de causos e de piadas, ouvir música e algazarra de criança brincando pela casa, gente esparramada nos sofás e nas redes. Depois vem aquela sobremesa especial, um pirex enorme de gelatina colorida, ou salada de fruta com sorvete, e se tiver aniversário no grupo, bolo, com direito a velinha e parabéns... e o cafezinho.    

Oscar Leopoldino, esquina com Alfeu Cesar
Vida simples. Foi assim em boa parte da minha infância. Meus pais gostavam de receber e de fazer visitas. Dos amigos, lembro da casa da Sra. Maria Lima e do Sr. Ildo, que moravam em um chácara, nas proximidades da Rua Oscar Leopoldino da Silva. Muita fruta no quintal, galinhas caipiras, parreiras de uva, goiaba e cana de fazer garapa. Sempre havia um motivo para se reunirem; às vezes para colher as uvas que estavam no ponto, ou para fazer pamonha e curau, pois o cabelo das espigas já estava começando a secar, fazer doce de abobora cristalizado ou doce de leite.

Na esquina com a Rua Alfeu Cesar Pedrosa, onde até hoje tem o Bar da Curva, havia uma chácara, tocada por uma família de japoneses, que plantava flores. Minha mãe Geni, acompanhada da Dona Maria, comprava lá os copos de leite para enfeitar o altar da igreja Nossa Senhora de Fátima. Aproveitavam a visita e já traziam cravos, margaridas e o tradicional mosquitinho branco, para enfeitar a mesa e a sala da aconchegante casa de madeira.

Voltei na Oscar Leopoldino para fotografar a antiga chácara. O local está cercado e tem placa da prefeitura de "Proibido Jogar Lixo". Mesmo assim, tem muito lixo jogado sob a pequena ponte. A casinha, branca e azul, tem ares de abandonada, mas ainda restam muitas flores espalhadas pelo terreno. As sementes ficaram, mesmo com o passar dos anos e o abandono. A vida renasce e parece insistir em resgatar e contar histórias do passado.



Ladeira na Oscar Leopoldino
Nas imediações, há uma certa concentração de edifícios de pequeno porte, e dependendo do ângulo que se observa a paisagem, há momentos em que as retículas das fachadas nos remetem aos subúrbios paulistanos, com ladeiras e varandas coloridas por lençóis e toalhas que balançam ao vento.

A numeração vai crescendo no sentido da Av. Sampaio Vidal, onde na esquina está o edifício Primavera. Construção portentosa, com apartamentos de 200 metros. Procurando um bom enquadramento para fazer uma das fotos de ilustração deste artigo. Ao fechar o ângulo, me dei conta de que as curvas das fachadas são parecidas com a do Edifício Copam.

Na esquina com a Rua São Leopoldo, há um prédio de construção enigmática, com uma grande lancha na garagem, suspensa por fortes correntes e estrutura de ferro condizente ao peso e tamanho. É o abre alas de toda a paisagem que se esparrama ao fundo, vista ampla da zona sul da cidade, dos condomínios populares, não sem antes passar os olhos pelos verdes vales e os paredões dos Itambés. Na lista de pontos estratégicos para se fazer bons registros urbanos, não resta dúvida de que esta esquina é um deles.

A Rua Oscar Leopoldino da Silva atravessa a Av. Santo Antônio e chega nos limites da antiga Fazenda Bonfim, finalizando na Rua José Rocha. Além das curiosidades aqui mencionadas, a via tem vários barzinhos que, nos finais de tarde, sempre estão cheios. É a turma do pincel, da funilaria, das reformas e das construções, gente que pega no batente pesado e no final da tarde vai discutir as falhas do juiz na arbitragem do jogo de domingo, falar de política e consertar o Brasil, cada um do seu jeito, mas todos ali, juntos.

Sobre o patrono da rua, encontramos as seguintes informações nos escritos do historiador Paulo Corrêa de Lara. "Foi um dos primeiros escreventes do Cartório de Paz e Registro Civil de Marília. Nasceu em Cajuru-SP, em 30 de dezembro de 1886, e faleceu em Marília em 22 de fevereiro de 1957. Teria vindo para a nossa cidade em fins de 1927, colocando-se no Cartório recém instalado. Quando da criação da Comarca, passou para o Cartório de 1º Ofício e Notas, no qual permaneceu até a sua aposentadoria. Por ocasião da Guerra Européia (1914/18), serviu na França como voluntário."
 
Publicado no Diário de Marília, em 30/11/14

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Campos Salles, a rua do Banespa e do INPS

Creio que a maioria de nós, marilienses, conhece da Rua Campos Salles o trechinho que vai da Rua 24 de dezembro até a Av. Sampaio Vidal, considerando que esta é uma das vias de acesso ao centro comercial. É uma das ruas mais tradicionais da cidade, porém, sem evidência, talvez pela falta de maiores atrativos, como, por exemplo, prédios públicos, lojas comerciais, ou prestadores de serviços que atraiam maior de pessoas.
No passado, a Campos Sallles era conhecida como a rua do Banespa, referência comum quando as pessoas solicitavam informações sobre localidades na região central. Aí o Banespa virou Santander, e o antigo INPS (Instituto Nacional da Previdência Social), que tem prédio na mesma quadra, mudou de endereço, para a Rua Castro Alves, e de nome, passando a denominar-se Instituto Nacional de Seguridade Social. Banespa era o banco onde a maioria dos funcionários públicos recebia o pagamento, INPS era o local onde se comparecia para retirar guia de consulta médica e também da aposentadoria dos trabalhadores.
Residencial Âmbar
Lembro-me de filas enormes em frente ao prédio; tinha que chegar cedo, muito cedo, para conseguir a guia de uma consulta que era marcada para dias ou meses à frente. Meu pai chamava as paredes do prédio de "muro das lamentações", tamanha era a chiadeira do povo com relação aos serviços, ao tempo de espera e, vez ou outra, alguém saía na porta da repartição e gritava: "Pessoal, por hoje, as guias acabaram, voltem amanhã." Depois de horas na espera, ouvir esta informação era desanimador, ou então, como se dizia: "isso é caso de polícia".
Na mesma quadra, encontra-se a tinturaria e lavanderia Mica. Tintureiro já foi serviço de mestre, coisa de quem entendia do assunto mesmo. Roupas manchadas ou desbotadas... leve ao tintureiro para a devida lavagem e tingimento, sempre com o cuidado de não destoar da cor original, principalmente os ternos e as calças. Hoje, alguns estabelecimentos conservam a denominação de tinturaria, mas concentram a maior parte dos seus serviços em lavar e passar as roupas.
Mas a Campos Salles segue até os muros do abrigo Mansão Ismael, onde a residência de nº 1084 marca o final do via. Do outro lado da rua, está o prédio no qual se encontra o ponto de coleta de pneus usados. Consultei o Leonardo Mascarim, nosso Secretário Municipal do Meio Ambiente, para saber como funciona. Ele explicou que é uma parceria entre o governo municipal e a iniciativa privada.
De um lado, os fabricantes de pneus, que pela nova legislação precisam cuidar da reciclagem dos produtos descartados, é conhecida como a lei de resíduos sólidos. Neste circuito, entram também os revendedores de pneus. Depois da troca, é preciso informar qual foi o destino dos velhos pneus, antes descartados como lixo. Os fabricantes criaram a Reciclanip, associação financiada por eles, com a finalidade de coletar as carcaças.
Em Marília, foi criada a Reversa Pneus, associação mantida pelos revendedores, que atua em parceria com a Reciclanip e a Prefeitura Municipal. Faz a coleta, expede o certificado que atende aos revendedores no cumprimento das normas de sustentabilidade sobre resíduos sólidos, e as carcaças são encaminhadas para cidades do Paraná, onde são trituradas. O material resultante é reutilizado, entre as opções, na composição da camada de asfalto para rodovias.
Em toda a sua extensão, a Rua Campos Salles é marcada por residências bem antigas, salvo o quarteirão entre as ruas Santo Antônio e Lima e Costa, onde foi construído o moderno prédio do residencial Âmbar. A edificação chama a atenção pela fachada leste, na qual o arquiteto responsável criou um enorme painel, com um círculo central; deduzi que talvez seja para proteger as janelas da excessiva exposição dos raios solares e, ao mesmo tempo, permitir uma boa ventilação para os apartamentos.
Vizinho deste prédio, há uma construção bem antiga, de alvenaria, e uma casinha de madeira. Pelas frestas do portão, fotografei a fachada da casa e a bem cuidada horta, onde os canteiros estão protegidos por garrafas pets com água. Ouvi dizer que ali funcionou a oficina do Sato, o artesão das enxadas e ferramentas agrícolas, muito utilizadas na agricultura das lavouras de Marília e região. Lembro de um dia em que comprei uma faca especial para Sashimi, feita de lâmina de serra de madeira, resistente e de fácil afiação. Do comerciante, ouvi: "Pode levar, é garantida, feita pelo Sato".
horta caseira
Na Rua Campos Sallles, além da tinturaria, tem outras histórias guardadas no tempo e nas antigas residências de família, algumas reformadas para pequenos comércios e escritórios. Tem a casa do ilustre Dr. Francisco Benedicto Luiz de Anhaia Ferraz, in memorian, por anos presidente da Fundação de Ensino "Eurípides Soares da Rocha", tem o tradicional escritório do advogado Dr. Nadir de Campos, tem escola de música e tem feira-livre pertinho, montada na esquina com a Rua Lima e Costa, toda quinta-feira.
Manoel Ferraz de Campos Salles (1841-1913) foi presidente do Brasil, de novembro de 1898 a novembro de 1902. Seu governo foi marcado pela política de apoio à agricultura e de valorização do plantio de café.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

As Ruas Benjamim Constant e Chisato Hatada. Histórias que a vida costura


Escrever textos é algo muito parecido com explorar cavernas. Você sabe que tem a porta de entrada, mas não sabe ainda o que vai encontrar nos labirintos e câmaras que se formaram com a ação do próprio tempo e da água sobre a estrutura.
Tem sido assim na produção dos artigos, nos quais venho tentando explorar os segredos das ruas da nossa cidade, uma experiência incrível, geralmente, carregada de boas emoções e de histórias apaixonantes. E aconteceu de novo.
Rua Benjamim Constat
Decidi escrever sobre as ruas Benjamim Constant e Chisato Hatada, localizadas no bairro Fragata. A primeira, pela presença de uma pequena loja, quase na esquina com a Rua Abel Fragata, onde uma enorme primavera decora sua fachada. A segunda, pelo fato de que esta é uma das ruas "sem saída" existentes em Marília. O fundo faz divisa com a loja Mac’ Donalds.
Foi na Rua Benjamim que conheci o Francisco Diniz, mais conhecido pelos clientes como Diniz. A sua loja tem o criativo nome de Rebrincar - consertos e reparos de brinquedos. Pois é, numa época em que as relações e os objetos estão tão descartáveis, como é que alguém pode ter uma loja de reparos de brinquedos? E olha que não lhe faltam clientes, da cidade, da redondeza e de outros municípios bem mais distantes.
Diniz em sua loja
Ele veio de São José dos Campos, no ano de 2005, onde tinha uma oficina de construção de veículos para esportes radicais off road, também conhecidos por Gaiolas, e também era artesão, esculpindo peças em madeiras. A decisão de mudar-se para Marília foi em razão da estar mais próximo da mãe, Sra. Maria de Lourdes, de quem fala com muito carinho. Assim que foi possível, abriu as portas da nova loja, que até hoje conserva um misto de oficina artesanal, loja de reparos eletrônicos e de brinquedos.
Faz consertos em bonecas, carrinhos eletrônicos e helicópteros de controle remoto. Sobre uma das bancadas, um toca discos, daqueles bem antigos, esperando sua vez de entrar nos reparos. Diniz vive de bem com a vida e se mostra uma pessoa feliz.
Rua Chisato Hatada
E olha só como as histórias se cruzam na linha da vida. Foi na Rua Chisato Hatada que conheci a Simone, baiana de Salvador, igualmente feliz e de bem com a vida. Fisioterapeuta de formação, saiu da terra natal com destino ao Rio de Janeiro, onde fez o curso superior. De lá, seguiu para São Paulo. Ministrava aulas em Guarulhos, local onde conheceu Antonio, filho de um ilustre personagem mariliense, o Primo Alfaiate. Ele, professor de história, ela, contadora de histórias e professora.
No encontro com Simone, perguntei de onde veio esta inspiração de se tornar uma contadora de histórias, fez curso? A resposta me surpreendeu: - Fiz não! - E então, como foi que aconteceu de entrar neste mundo? - Eu penso que é uma missão!, disse. Simone faz parte da ONG "Viva e Deixe Viver" (www.vivaedeixeviver.org.br/), associação que forma voluntários para contar histórias para pacientes hospitalizados.
Detalhe. Simone e o marido também se mudaram para Marília para ficar mais próximos do pai dele, que estava com idade mais avançada e precisava de companhia. "Nossa decisão da mudança foi muito acertada, convivemos com ele durante quase três anos, intensos de emoção e de amor". De herança e de lembrança, daquilo que realmente tem valor na vida, Primo Alfaiate deixou para Simone duas máquinas de costura, que estão em local especial na residência, cobertas com toalhas de bordado e renda. Para ela, uma honra ter recebido o carinho do presente.
Simone, contadora de histórias
Casa simples, ambiente aconchegante. A sala de visitas foi adaptada para abrigar a alfaiataria. Hoje, o mesmo local é o consultório de fisioterapia. Um armário de madeira adorna a parede lateral. No passado, cortes de tecidos nobres e peças acabadas se acomodavam nas divisórias, esperando a entrega aos clientes. Virou estante de livros, com inúmeros títulos organizados lado a lado. Por sinal, o que mais tem na casa, além do ar de alto astral, são livros, em vários móveis.
Convidado a conhecer o ambiente, notei a presença forte e marcante de fotos de família, muitas fotos, sobre móveis e penduradas em paredes. Aqui e ali, o Primo Alfaiate, com os filhos, com os netos, com a nora, e também sorrisos, muitos sorrisos. Casa de gente feliz tem cheiro de felicidade no ar.
Primo alfaiate com os netos
Sobre a estante comentada acima, um vidro enorme, de boca larga, e cheio de botões. Olhei para o objeto e me pareceu que o velho alfaiate estava ali, zelando pela harmonia do ambiente e pelos netos, que enchem os espaços com algazarra, peraltices e dengo, comuns da tenra idade.
E foi neste clima que a minha pesquisa se completou. Duas ruas e duas histórias de vida em que pessoas abriram mãos de sonhos e projetos em andamento, para estarem mais próximas de quem amam. Em nenhum momento senti um fio sequer de arrependimento, pelo contrário, uma sensação de bem-estar e de bem viver emana de suas almas naturalmente.

Chisato Hatada - Nasceu no Japão em 28/10/1923,chegou em Marília em 1948. Montou a firma Irmãos Hatada, mais tarde transformada em Perfilados Marília Ltda.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 15/11/2014           

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Feira de orgânicos nas ruas de Marília


As feiras de produtos orgânicos se tornaram uma febre em São Paulo. O assunto é levado tão a sério que tem até um instituto, igualmente sério, que produziu um mapa nacional para você encontrar as indicações dos locais onde acontecem feiras orgânicas e a presença de grupos de consumo responsáveis. Fui lá conferir e a mais próxima de nós está na cidade de Palmital, que, por coincidência, acontece também nas quintas-feiras, das 14h às 18h30, na praça central da cidade.O mapa está disponível em http://www.idec.org.br/feirasorganicas.

Perceberam que a via é de mão dupla? A produção orgânica está diretamente ligada ao consumo responsável, ou seja, aos cidadãos que têm a consciência do comer bem, que veem nos alimentos a prevenção e o melhor remédio. 

Da mesma forma, a produção orgânica tem seus limites, exatamente porque não é de escala, mas sim de métodos e processos, alguns por sinal bem empíricos, onde se acompanha, por exemplo, as fases da lua para fazer o plantio e esperar a colheita. Mas, pensar que é possível alimentar uma nação só com orgânicos é algo muito distante da realidade; são muitas bocas e a fome é grande.


Aqui em Marília a feira de quinta-feira, na Av. das Indústrias, das 17h às 22 h, conhecida também como Feira Noturna, pode ser uma boa opção para, num futuro próximo, a gente ter um espaço agroecológico e adquirir produtos cada vez mais saudáveis. Mas, para isso, é preciso treinamento, capacitação, organização, fatores que por si vão gerar a conscientização. Produzir orgânicos dá mais trabalho e menor volume. Por isso mesmo, os produtos de origem orgânica têm preço mais alto do que o varejo extensivo.

Na feira em questão, a maioria das barracas está na área da gastronomia, se bem que a proposta do início era para ser mais diversificada. Produtor rural acorda cedo, ou melhor, de madrugada. Antes disso, tem que plantar, cuidar, molhar, colher, e só depois carregar a Kombi para ir à feira, montar a banca e vender. Poucos deles conseguiram acertar a agenda e participar da Feira Noturna.



Tião do Café, levou torrador para a feira
Mas lá tem o pão caseiro, orgânico, vendido embalado e congelado. Você compra e segue a receita: retira do congelador no período da noite e deixa na assadeira, coberto com pano úmido, até o dia amanhecer. Aqueça o forno e ponha para assar, por 20 minutos, e pronto, o cheiro de pão feito em casa toma conta da casa toda. Experimentei e aprovei, a família aplaudiu e pede bis. Pão quentinho com manteiga derretendo faz sucesso sempre.

Tem café moído na hora, tempo de espera suficiente para trocar receitas e falar de "engordices" que sempre fazem muito bem para a cabeça, ou dos chás que emagrecem, das receitas menos ou mais calóricas. Comer é ser feliz, comer bem, mais feliz ainda, e promove a socialização das pessoas.

Tem vários trailers onde, geralmente, os pasteis, fumegantes e estalando a massa crocante, são os campeões de venda, dos tachos direto para a multidão de bocas que sopram e mordem ao mesmo tempo. E o famoso bolinho de carne? O ritual é: morder e virar a ponta para baixo para escorrer o caldo, depois, muito molho de pimenta e de cheiro verde picadinho.

Um conhecido feirante que comercializa morangos investiu alto e providenciou novo trailer, este revestido de inox, impecável na limpeza, para vender as cestinhas de frutas, naturais, até que o cliente faça o pedido de despejar calda de chocolate quente ou leite condensado. E tem as vitaminas, os sucos, igualmente naturais, basta não adicionar açúcar refinado, podendo substituir por mel, vendido no mesmo local pelo meliponicultor Antônio Scalco.

Fui procurar mais informações sobre como está a produção orgânica em nossa região e cheguei até o escritório regional do Sebrae/Marília. A técnica Cristiane Aguiar, atenciosa como sempre é, me deu boas informações. Existe um trabalho voltado para a holericultura ou  agroecologia, onde agricultor utiliza insumos e defensivos naturais no processo produtivo, faz a compostagem para adubação e o controle de pragas via insetos e predadores naturais. Cuida, ainda, da correta utilização e reutilização da água para rega, faz a preservação de nascentes, sempre buscando o equilíbrio no biossistema da área produtiva.  

Venda de mudas de hortaliças
Neste trabalho, depois de um estudo sobre a área do plantio, faz-se o planejamento da produção, até a entrada (venda) no mercado, tudo com acompanhamento técnico com vistas a obter sempre os melhores resultados. Um exemplo prático é a empresária Ana Paula, da Usina Paredão, no município de Oriente, que criou a empresa "Balaio". Cristiane contou que ela faz entregas domésticas regulares de cestas com produtos orgânicos, tudo fresquinho, saído da horta, direto para a mesa das famílias. Tem fila de espera.

Depois de dois anos de atividades acompanhadas, os produtores rurais que estão investindo na holericultura poderão solicitar a certificação de orgânico. Entre os institutos que emitem o selo está a Associação de Biodinâmica, estabelecida na cidade de Botucatu.

Quem sabe, em breve, nós tenhamos nas feiras e ruas da cidade mais barracas comercializando orgânicos e promovendo oficinas de sucos naturais,de tortas e bolos, tudo na moda como era feito pelos nossos avós, pois, como dizem: "Una buona nonna vale cento maestre."
 
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 09/11/2014

domingo, 2 de novembro de 2014

A Rua Benedicto Nery de Barros e os patinhos da Dona Nilda



Tem ruas da cidade que já nasceram com a vocação para cartão postal. Seja por uma árvore com a copa mais bem formada, uma casa diferente, ou mesmo pelo conjunto da paisagem, estas ruas se tornam mais poéticas e prendem a nossa atenção, de tal forma que nos levam a outro estado mental, o estado receptivo, provocado pelo perceptivo diferenciado.
A Rua Benedicto Nery de Barros tem esta vantagem de ser uma rua cartão postal. Primeiro, pela sua condição geográfica privilegiada, de onde se tem uma bela vista da zona sul da cidade, não sem antes passar os olhos pelos imensos paredões dos Itambés. Depois, pela iniciativa dos seus moradores em transformar uma região sob risco de erosão e matagal em área de lazer.
Osmi Mioto
Tudo começou há oito anos e um dos personagens do enredo é o amigo Osmi Mioto. Foi um dos primeiros moradores da rua. A sua residência tinha varanda alta e dava vista para o imenso vale, limite entre as zonas oeste e norte da cidade. Osmi é um apaixonado por animais. No passado, quando visitei o local para fazer alguns registros fotográficos, ele estava passeando e brincando com sua cachorra “Belinha”, uma Border Collie, de cor preta, sapeca e levada da breca.
Foi naquele dia que ele me mostrou um projeto que estava nascendo. A ideia era transformar a grande área, que fica do outro lado da rua, em um bosque, uma reserva ambiental comunitária. Algumas espécies de árvores nobres já estavam plantadas, tinha também uma pequena roça de milho, pés de fruta e até uma horta de pepinos.
Era um sonho que começava e contava com a grande vantagem de ser um sonho coletivo. Seu Osvaldo, outro morador, ajudou Osmi a melhorar as condições da pequena nascente de água que brotava tímida em meio ao mato. Com alguns cuidados e em pouco tempo já havia uma represinha.
Passaram-se os anos. Retornei lá há poucos dias, para ver se as coisas continuaram conforme o previsto. O universo conspirou a meu favor e encontrei o amigo no local. Já tem mais de cinco anos que mora em outro bairro, mas dia sim, dia não, religiosamente, vai cuidar das benfeitorias que continuam sendo realizadas.
Com a ajuda e o incentivo da equipe da prefeitura municipal e de parceiros, o projeto já ganhou mais de 300 novas mudas de árvores frutíferas e nativas. A pequena nascente, agora, já é uma represa com bom espelho de água, onde alguns patos nadam tranquilamente.
Foi neste cenário que surgiu Dona Nilda Kobayashi, outra moradora. Trazia nas mãos uma pequena vasilha de plástico com restos de folha de alface e reciclados da pia da cozinha de sua casa. De longe, ela chamava os patos para vir ao seu encontro e distribuir os alimentos. É um ritual que segue todos os dias, e os animais, inclusive pássaros silvestres, já se acostumaram e ficam na espera. Hora da merenda.
A estudante de arquitetura Bianca Ferreira já construiu sua morada na área e está colaborando com os vizinhos na elaboração de um projeto que pretende instalar uma praça, tudo com orientação legal para não gerar impactos ambientais. O próximo passo é plantar grama no entorno da represa.
Outro entusiasta e morador de longa data é o Sr. Maércio Muller. Vendo a movimentação na área, se aproximou e deitou contar histórias. E olha que ainda não é praça, imaginem quando tiver bancos e sombra boa pra ficar debaixo... vai rolar muita prosa com os amigos.
Nascido nas encostas do bairro do Pombo, em 1933, Maércio diz que tem aquilo tudo nas veias. Diz que sonha em ver uma outra área, próxima, onde hoje só tem capim navalha e brejo, ser transformada em mais uma represa. Água tem à vontade.
Enquanto conversamos, Dona Nilda continuava cuidando dos patos. Osmi contou que estava faltando um deles. “Dias destes, neste mesmo horário de fim de tarde, chegou aqui na represa um pato selvagem, veio voando lá do vale. Uma das patinhas se engraçou com ele. Na certa, ele tinha muita história pra contar, afinal, era aventureiro de outras plagas. E foi assim que antes do sol se pôr, os dois alçaram voo, juntos, como se há muito tempo se conhecessem, e a gente, até hoje, fica esperando que ela volte.” 
O relato me fez lembrar trecho da música dos artistas Guilherme e Santiago: 

Distante do meu amor eu não posso ter alegria
Vou montar em meu cavalo e vou sumir na escuridão
Vou buscar minha morena, meu amor, minha paixão.
Vou selar o meu cavalo e calçar um par de esporas.
Peão que é peão não chora.
Quebra tudo por paixão.
Meu cavalo marchador sabe que pra tudo tem hora.
Hoje a morena vai embora na garupa do alazão.”
Benedicto Nery, que dá nome à rua, foi agricultor e proprietário da “Fazenda Todos os Santos”, casado com Maria José de Barros. Faleceu em abril de 1979.
 

Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.

publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 02/11/14         

 

domingo, 12 de outubro de 2014

Rua José Alfredo de Almeida


É gostoso visitar locais da cidade que ainda guardam a poesia da história, recantos especiais, por onde caminhamos. Parece que as reminiscências, guardadas na cortina do tempo, vão surgindo das sombras das árvores, das esquinas, dos jardins e dos portões, invadindo a nossa mente e gerando emoções muito saudáveis.
Um deles é o bosque municipal, rico em diversidade da flora característica da Mata Atlântica, o que torna os passeios por lá sempre mais agradáveis do que qualquer caminhada em pista urbana planejada. No bosque, a vida é verde... e, se for pela manhã, então, melhor ainda, vez que aos primeiros raios de sol a mata começa o processo da fotossíntese.
O leitor sabia que tem prefeitura no exterior que comprou um grande tronco de árvore, providenciou a sua devida instalação em uma espécie de estufa de vidro, criou um ecossistema controlado, com chuvas artificiais regradas e controle de incidência de raios solares, estimulou o crescimento de fungos e arbustos menores, e agora cobra ingresso das pessoas, que pagam para respirar, conversar, ouvir música e ter momentos de boa leitura dentro desta biodiversidade instalada no meio urbano? Pois é, meus amigos, aqui, a gente ainda tem tudo isso com acesso livre.
Cantina Mamma Mia
A Rua José Alfredo de Almeida, ilustre bisavô do atual prefeito, é outro recanto que merece a nossa visita com o olhar da sustentabilidade. Tradicional entrada da Fazenda Bonfim, ainda guarda parte da história num dos casarões da família Almeida, que desde 1990 abriga a Cantina Mamma Mia, restaurante típico italiano. No passado, depois do expediente noturno, entre uma taça de vinho e outra, tive a felicidade de compartilhar bons papos com o saudoso amigo Dô Cerqueira Cesar. Ele contava, feliz, passagens das brincadeiras de crianças no terreiro, da cozinha da família, sempre farta e generosa, casa cheia de amigos e visitantes, e do quarto no sótão, que ainda existe.
Depois, nos sentávamos numa mesinha bem aconchegante, pertinho do pé da escada, e ali saboreávamos um prato de Brodo, polvilhado com queijo parmesão ralado. Madonna mia! Boa comida e boas amizades sempre fizeram muito bem à alma.
Na visita à rua, não deixe de conhecer o majestoso pé de eucalipto, que tem placa de tombamento pela prefeitura, por motivo da localização e do porte, ganhando assim a condição permanente de preservação. Ao lado da grande árvore, está a entrada do condomínio “Quinta do Bonfim”. Foi ali que flagrei, no momento da visita, uma senhora bem idosa e muito simpática, e sua gentil acompanhante, saboreando jabuticabas de mão e boca cheias. Pensei: será que a senhora em questão é membro da família Almeida? Pareciam duas crianças.
Vi também que no jardim tem um pé de cuia (cuité), conhecida popularmente como cabaça. Depois de tratada, era transformada pelos índios e caboclos em utensílio de cozinha. Sobre a espécie, alguém já escreveu: “Apeou do cavalo, passou a mão na corda e puxou o balde do poço, de onde tirou e bebeu uma cuia de água fresca para matar a sede.”
Pé de Cuia
     
José Alfredo de Almeida (Zezé de Almeida) é filho do Coronel Galdino Alfredo de Almeida e Olívia Cândida de Almeida. Teve os filhos Gustavo Prudente, Fernando José, José Alfredo e Maria Carolina. Veio para Marília na década de 20, quando seu pai, e o amigo Cel. José da Silva Nogueira (José Braz), adquiriram a Fazenda Bonfim e o loteamento denominado Vila Barbosa, encarregando-se do serviço de venda de lotes.
Já na década de 30, juntamente com seu cunhado, o Dr. José da Cunha Júnior, fundou a Casa Bancária “Almeida & Cia.”, que alguns anos depois foi transformada em Banco Brasileiro de Descontos S/A, o Bradesco. Mudou-se para São Paulo e, no governo de Adhemar de Barros, assumiu a presidência da Vasp (Viação Aérea São Paulo). Fundou na capital a Aerovias Brasil, que depois foi incorporada à Vasp.
Passeio ao sol da manhã e jabuticabas
Com espírito empreendedor e visão futurista, era pessoa de assumir desafios e foi assim que, na década de 30, ocupou a Prefeitura Municipal de Marília, no impedimento do então prefeito João Neves Camargo (26 de fevereiro a 5 de maio de 1936), quando, segundo a história registrada, adquiriu o prédio de máquinas de café e arroz da firma Quilles & Cia, local onde foi construído o Ginásio Municipal, e, mais adiante no tempo, a instalação da Biblioteca “João Mesquita Valença” e a Secretaria da Cultura.
Zezé de Almeida muito cooperou para a vinda a Marília das Faculdades de Filosofia, de Medicina e, também das Faculdades da Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, quando vendeu à Prefeitura de Marília, por preço simbólico, os terrenos destinados à instalação das faculdades, hoje o Campus Universitário.
Entre os inúmeros cargos ocupados, foi diretor da Companhia Urano de Capitalização e Casa Comissária Souza Dantas Forbes; tesoureiro da benemérita campanha Pró Monumento Monteiro Lobato, diretor de Imóveis e Investimentos Almeida & Barros e presidente da Cia. São Paulo de Investimentos Gerais. Faleceu em Marília em 30 de janeiro de 1971.
Digo que, pela exuberância das árvores, o cuidado dos jardins e a tranquilidade que reina na via, merecia ter o nome Alameda José Alfredo de Almeida.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 12/10/2014

Os inconfidentes em Marília, acaso ou causalidade?

Na produção destes artigos semanais, sigo algumas rotinas que ajudam a compor o resultado final. A rua que será o alvo da próxima publicação pode surgir por vários caminhos: sugestão de amigos mais próximos, sugestão dos leitores, encontros casuais ou a simples observação urbana, a paisagem, os prédios históricos, uma árvore ou jardim diferente... e a inspiração vem em seguida.
O passo seguinte é buscar os arquivos da Comissão de Registros Históricos e da Câmara Municipal de Marília, sempre contando com a colaboração e simpatia dos amigos Wilza Matos e Paulo Colombera. Levantamos leis e outros documentos arquivados, que sempre ajudam a produzir informações curiosas sobre a via, resgatando datas e personagens que participaram da história. Percebemos que, uma vez o fio da meada puxado, seguindo os rastros históricos, identificamos o autor da propositura, as justificativas da indicação, período e o nome do prefeito em cuja gestão aconteceu a indicação e mais alguns dados.
Quando o assunto é coletivo, como foi o caso das ruas que receberam nomes indígenas, chegamos aos mesmos personagens, porém, sempre fica uma pergunta: por que um determinado conjunto de ruas de um bairro recebeu do seu criador nomes que estão relacionados àquela temática? Exemplos práticos: o que inspirou o idealizador da Vila Jardim a colocar nomes de flores nas ruas? No bairro Aquarius, seria o lago o centro da inspiração para que as ruas tenham nomes de peixes? Sabemos também que foi o livro ‘Marília de Dirceu’, de Tomaz Antonio Gonzaga, que inspirou Bento de Abreu na escolha do nome da cidade.
Pois bem. Conjecturas à parte, num destes diálogos com a colega Wilza, ela me fez a sugestão para escrever sobre as ruas que têm nomes de personagens e poetas ligados ao episódio histórico da Inconfidência Mineira. São eles: Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto e Tomaz Antonio Gonzaga.  Estas ruas estão localizadas no bairro Cascata, e a curiosidade sobre o assunto não para por aí não. Tem ainda a Rua 21 de Abril, em homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado nesta data, por envolvimento nos episódios de organização de ações com vistas à Independência do Brasil, sendo que esta via é transversal a todas as demais.
E aí o cenário se completa quando nos dirigimos no sentido bairro-centro. Depois de passar por todas elas, chegamos à Rua da Liberdade. Diga-me, leitor amigo, seria casualidade ou causalidade? É certo que a segunda opção é a mais correta; tudo foi muito bem pensado. Tem história por detrás da própria história, tem recados e pistas que podemos seguir, descobrindo nossa cidade com outros olhos e olhares.

Praça Tiradentes - Ouro Preto
Tive a alegria de conhecer as cidades históricas, visitei museus e centros culturais onde estes nomes surgem a todo momento e são literalmente reverenciados, visitei a cela onde Tiradentes passou seus últimos dias, assim como, na mesma oportunidade, ouvi pelas bandas mineiras a história de que foi um vizinho seu de cela, um personagem desconhecido, o enforcado e esquartejado no lugar de Tiradentes, enquanto ele teria sido levado para outro local, acobertado em carroça de lenha e capim. E completou o relator anônimo: “Coisa da maçonaria da época, que era muito influente e conseguiu mexer os pauzinhos para privar sua vida”.
Claudio Manoel da Costa foi advogado, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e amigo do Aleijadinho, a quem teria possibilitado o acesso às bibliotecas clandestinas na época dos fatos. Há quem afirme ter tido ligações com os illuminatti, sociedade secreta de cunho iluminista, que teria influenciado várias revoluções. Morreu em circunstâncias obscuras, em Vila Rica, em 4/07/1789. Oficialmente, teria cometido suicídio por enforcamento na prisão.
Inácio José de Alvarenga Peixoto, advogado, também adepto do iluminismo, assim que denunciado, preso e julgado, foi deportado para Angola, onde faleceu. Investiu boa parte de suas finanças para a abertura de um canal de cerca de 30 quilômetros para abranger as melhores minas de ouro do arraial, período em que se envolveu com dívidas e impostos não recolhidos.

Interior da casa de Gonzaga 
Tomaz Antonio Gonzaga, por sua vez, é personagem muito conhecido de todos nós marilienses e tem envolvimento direto na história da cidade. Visitei a edificação onde ele morou em Ouro Preto, pisei na mesma varanda de onde ele avistava sua musa inspiradora, lá na baixada, entre os casarões e vielas. Me senti literalmente em casa, degustei cada detalhe da história viva, sentei-me no mesmo jardim que tem a montanha aos fundos, local onde certamente a inspiração o consumiu para escrever seus poemas. Acusado de conspiração e preso em 1789, cumpriu pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras-RJ, tendo seus bens confiscados. Em 1792, sua pena foi comutada em degredo e, a pedido pessoal de Maria Isabel, o poeta foi enviado à costa oriental da África, para cumprir em Moçambique a pena de dez anos de exílio. No mesmo ano, foi lançada em Lisboa a primeira parte de “Marília de Dirceu”, com 33 liras. Novamente, a história busca a figura simbólica da maçonaria para justificar o lançamento da obra, uma vez que o autor estava em outro continente.
Caminhei novamente pelas ruas aqui mencionadas, agora não mais como simples transeunte, e sim como cidadão, ciente da grande contribuição destes ilustres personagens à liberdade da nação.
Fica a sugestão para as queridas professoras. Numa próxima aula sobre os inconfidentes, após os alunos tomarem posse do conhecimento histórico compartilhado em sala, que tal levá-los para caminhar por estas ruas e aproveitar o sol da manhã?

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 05/10/2014

A Rua 16 de Setembro

Venho notando que os nossos encontros dominicais estão sendo muito produtivos, tanto para o autor destas crônicas, como para os leitores amigos. É sempre bom mergulhar no tempo, conhecer-se melhor, saber das nossas raízes e das histórias que permeiam ruas e bairros da nossa querida cidade.
Já comentei em outra oportunidade que há pessoas que passam metade da vida, ou até mesmo a vida toda, morando em um determinado endereço, sem nunca se preocupar em saber mais sobre um dos seus principais referenciais de vida. Já perceberam que, na maioria dos nossos contatos, nos contratos, nas compras ou cadastros, o nome da rua em que moramos é sempre solicitado?
Ainda bem que as escolas estão trabalhando o tema com os alunos. Assim, a identidade de cidadania, do pertencer ao meio, vai crescendo na mesma proporção que a cidade. Contar a história para os jovens e as crianças é compartilhar valores, é  incutir o sentimento do respeito e da cidadania. Digo isso porque me entristece muito ver as pichações em patrimônios públicos ou nas fachadas do comércio e das residências.
 E, por solicitação de um amigo, lá fomos nós em busca das origens da Rua 16 de Setembro, localizada em frente ao Tiro de Guerra, no bairro Palmital, prolongamento. Mais uma vez, encontramos na história as mãos do  benfeitor Bento de Abreu Sampaio Vidal Filho. Segundo a Lei nº 915, de 6 dezembro de 1960, na gestão do prefeito Octávio Barreto Prado, por meio de doação pura e simples, Bento de Abreu e outros cederam área para o prolongamento do bairro, nos chamados subúrbios da cidade.
Um  parêntesis: "Originalmente, existiam os burgos, que eram as áreas dentro dos muros das cidades, as áreas fora dos muros passaram a ser conhecidas como subúrbios. Com o fim das cidades cercadas de muros, a área conhecida como subúrbio passou a ser a periferia dos centros urbanos”.
Na primeira edição, a Rua 16 de Setembro aparece com 14 metros de largura e 214,32 metros de extensão, a partir da Rua Pedro de Toledo, até 32 metros além do eixo da Rua Washington Luiz. Mais adiante na história, encontramos a Lei nº 1134, de 28 de abril de 1964, na gestão do prefeito Armando Biava, na qual a Rua 16 de Setembro é novamente mencionada. A partir desta data, a rua passou a ter 260 metros de extensão. É a cidade crescendo, abrindo espaços para mais casas e mais comércio.
E ela volta a ser alvo na Lei nº 4292, de 8 de julho de 1997, quando é espichada novamente até a Rua João Batista Rafael, na administração de Abelardo Camarinha.
Mas a pergunta ainda não foi respondida - por que Rua 16 de Setembro? Encontramos a resposta no livro “Marília - sua Terra, Sua Gente, de Paulo Corrêa de Lara.
A Comarca de Marília foi instalada em 16 de setembro de 1933, criada pelo Decreto nº 5.956, de 27 de junho de 1933, do então interventor federal General Waldomiro de Lima. O historiador nos conta que foi buscar esta informação em outro livro, que tem por título “Marília”, autoria do professor Glycério Póvoas.
Para entender melhor a importância da data histórica, voltamos aos tempos do patrimônio, do latim Patrimonium: “patri” (pai), e “monium” (recebido, herança). Ou seja, relendo a história, vemos pai e filho traçando as primeiras ruas, lá nos altos da igreja de Santo Antônio. Visto desta forma, o Patrimônio do Alto Cafezal é uma herança da atitude promissora de ocupação e comercialização das terras pelos fundadores Pereira e Pereirinha.
Mais adiante, quando o patrimônio já tem porte para se transformar em cidade, recebe de Bento de Abreu Sampaio Vidal o nome de Marília.
E a Comarca... porque é tão importante? Podemos dizer que Comarca é um status, uma condição que dá ao município o privilégio de ter juiz e promotor, sem a qual a cidade ficaria à mercê de outras instâncias. Governar é como um jogo de xadrez: vamos movimentando as peças no sentido de ocupar territórios, de crescer, de dotar a cidade de uma estrutura que favoreça o desenvolvimento em todas as instâncias.
Fazendo uma comparação, a Comarca estava para Marília, nos anos 30, assim como hoje está a ampliação do aeroporto “Frank Miloye Milenkovich”. Ou fazemos ou não temos logística de transporte de cargas e passageiros. E está acontecendo.
Resgato a história e volto ao período em que João Barion Jr., então diretor do CIESP, ergueu bandeira e liderou o movimento “Duplicação, Já”, exigindo a duplicação do trecho Marília - Bauru, da SP 294.
Lembro que somamos esforços com a Associação Comercial, Senac, Sesi e Sebrae, órgãos representantes de instituições da cidade ligadas ao setor empresarial, que formavam o GEAD - Grupo Empresarial de Apoio ao Desenvolvimento, e fizemos acontecer. Congestionamos a rodovia nas proximidades do trevo de Garça, levamos caminhões, muitos caminhões e, dentro da ordem, chamamos a atenção da imprensa nacional e do governo estadual.
De Comarca, aos dias atuais, fica clara a importância da união de todos em torno de objetivos comuns. Marília, cidade bela!

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário De Marília, edição de 28/09/14