segunda-feira, 7 de julho de 2014

A Avenida Sampaio Vidal (II) - A pedra

No encontro anterior, tivemos o prazer de conhecer a Sampaio Vidal sob a óptica do escritor Herculano Pires, em texto publicado no ano de 1943. Ele nos falou de uma avenida com muita gente andando pelas ruas, de carros movidos a gasogênio e de negociantes de algodão e café, que faziam da avenida o escritório para transformar colheitas próprias ou alheias em lucros e dividendos. As mesas da Brasserie, antigo ponto de encontro da sociedade, foram no passado o equivalente a Bolsa de Valores de hoje. Penso em Herculano, quando escrevia as páginas do seu livro “Estradas e Ruas”, ocupando uma destas mesas. Assim como fez o José Arnaldo, que publicou a coluna “De Antena e Binóculo”, por mais de 40 anos, tendo como ponto de observação o Bar Marrocos, na mesma Sampaio Vidal.
Inspirando-me nestes personagens, lá fui eu para a avenida, buscando sentir os novos ares e captar novos olhares. Os cafés tradicionais já não estão mais lá, apenas três ou quatro estabelecimentos que servem a tradicional bebida, porém, o serviço agora é nos balcões ou em poucas mesas internas, o que impede a boa vista das calçadas e a oportunidade de se observar o fluxo dos transeuntes.
Não, os negociadores de café, de algodão ou de outras culturas não estão mais lá. A economia da cidade progrediu, e muito por sinal, e ainda que o agronegócio esteja muito presente em nossa história, como por exemplo, a cadeia produtiva do amendoim, as rodadas de negócio acontecem em outras paragens. No lugar dos corretores de lavouras, hoje pude observar um ou outro corretor de imóveis, aqueles avulsos, sem vínculos com imobiliárias, que pelo conhecimento com proprietários de chácaras, de sítios e terrenos, acabam “mexendo” (intermediando) pequenas operações de compra e venda. Digamos que seja mais um passatempo do que necessariamente um ramo de negócio, e ainda tem a vantagem que sempre pinta uma comissão na venda. Como dizem, dá para salvar a janta.
Se não estão nos cafés, onde eles estão então? - Na pedra. Nome popular do trecho da avenida que fica entre as ruas Maranhão e Paes Leme. Não sei dizer de onde surgiu a denominação, mas é assim que o pessoal se refere quando marcam um encontro -”então a gente se vê lá na pedra em tal hora”.
Na crônica de Herculano, ele nos conta de oito bancos instalados na avenida. Na minha contagem atual, registrei 12 agências bancárias e mais 10 casas de crédito e financiamento, que pescam juntas o varejo de empréstimo pessoal.  Entre as ruas Bahia e Paraná, contei 10 farmácias e, por consequência, 20 vagas exclusivas para potenciais usuários destes estabelecimentos. Fazendo uma analogia dos fatos, podemos dizer que a saúde financeira vai bem, obrigado, já a saúde da gente anda precisando de muito remédio.
Neste trecho de maior movimento da avenida, somente duas sorveterias oferecem a oportunidade do cliente poder sentar em uma de suas mesas postas nas calçadas e ver a brisa e o tempo passarem. Será que foram os aluguéis que espantaram os pequenos  comerciantes de serviços da avenida? Sinto falta do cheiro de café passado no coador de pano, da coxinha e do pastel, fritos na hora, em óleo vegetal e não na tal de gordura hidrogenada que satura o ar, daquelas vitrines de balcão, expondo pedaços de tortas de limão e de maracujá, de bomba de creme ou de chocolate, dos sonhos e brigadeiros, e também das coalhadas e dos queijos brancos, servidos aos nacos generosos, para comer de garfo ou de mão. Do garçom gritando: “manda aí um rabo de galo no capricho”.
A casa de nº 18, esquina com a rua Floriano Peixoto, marca o início da avenida,  mas é interessante registrar que, após esta residência, a avenida segue no sentido zona sul, iniciando com a numeração 35-A, e vai até o 524-A, já no limite do viaduto que passa sobre a rodovia do contorno, início da Via Expressa.  Estes quarteirões oferecem excelentes opções de gastronomia e lazer noturno.
O número 1.900 é o final, na esquina e ponto de convergência com as ruas São Luiz, Joaquim de Abreu Sampaio Vidal e avenida Castro Alves.
Vários prédios conservam suas fachadas e histórias ao longo da avenida, alguns com boa apresentação e outros que carecem de cuidados de manutenção. É tão bom ver o centro da cidade bem conservado e colorido, assim como fizeram os moradores do Edifício Clipper, deram um “banho de loja” e o prédio se destacou como joia na paisagem urbana.
Fui recebido gentilmente no escritório do advogado Luciano dos Santos, no 9º andar do Edifício Marília, onde, no passado, entre acordes musicais de grandes orquestras e cantores, pratos saborosos eram servidos nas mesas do famoso Restaurante Marília, ocupadas pelos senhores de terno de linho e pelas senhoras de fino trato, com os cabelos penteados em coque, de luvas brancas e vestidos de cetim e rendas.
A porta do estabelecimento, de madeira e vidro, ainda está lá, com a marca do restaurante gravada em jato de areia, memória viva da história que será restaurada pelo atual proprietário.
Enquanto eu fazia os registros da paisagem de um ponto de vista privilegiado, Dr. Luciano me contou que a sua mãe, Sra. Neolinda Benetton de Souza Leão, é sobrinha do Sr. Souza Leão, fundador da cidade de Tupã e que tem passagens também pela nossa história. Ele contou que a sacada já teve o apelido de “arriba saia”, devido ao vento que sopra constante.
Descobri, ao final da pesquisa, que mesmo sem os cafés e as mesinhas nas calçadas, a Sampaio Vidal continua sendo a avenida preferida dos marilienses. No passado, abrindo as portas dos estabelecimentos nas primeiras horas da manhã, os sírios libaneses, os portugueses, italianos e espanhóis, no presente, os chineses já marcam presença e me impressiona como eles conseguem se adaptar ao meio de forma tão rápida.



Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 27/04/14

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