segunda-feira, 21 de julho de 2014

Avenida Carlos Gomes

Em Brasília, são 19 horas. E assim seguimos ouvindo as notas da ópera “O Guarani”, tema de abertura do programa oficial “A Voz do Brasil”. A obra foi criada por Antonio Carlos Gomes, nascido na cidade das Andorinhas, no ano de 1836. Como curiosidade, e já que sou um radio-ouvinte de carteirinha, vale mencionar que “A Voz do Brasil” entrou para o Guiness Book como o programa de rádio mais antigo do nosso país. O noticiário também é o mais antigo programa de rádio do Hemisfério Sul.
A avenida que presta justa homenagem ao artista, que é também considerado o maior compositor de ópera brasileiro, fica bem no centro da cidade e guarda a história de importantes personagens. Visitando as duas últimas quadras, encontrei amigos que me ajudaram a fazer uma lista de resgate de memória.
Wilson Rocha, Carlinhos e Alexandre
Todas estas pessoas participaram e/ou participam da construção da história viva de Marília e, por coincidência, mantiveram ou mantêm estabelecimentos nestas duas quadras. Difícil dizer quem não conhece o poeta e boa praça Wilson Rocha, discípulo do ilustre Sebastião Mônaco, proprietário do Escritório e Despachante Lex (desde 1954). Na linha de frente do balcão, os futebolistas Carlinhos e Alexandre, sempre simpáticos e muito prestativos.
Ao lado do despachante, está o escritório do advogado Dr. Antônio Cardoso, conhecido pela sua ilustre carreira na advocacia, e também considerado fonte de consulta permanente nas lides jurídicas que demandam alta dose de competência e conhecimento. Fazendo “parede” com a entrada do escritório do Dr. Cardoso, está o consultório do Dr. Salum (filho), sendo o pai, além de médico, grande pesquisador das leis de causa e efeito que influenciam as nossas vidas, em grau e intensidade que nem podemos imaginar.
Do outro lado da rua, está o comerciante Massao Shimada, hoje com loja de flores e presentes para ornamentação residencial. Ele foi amigo e trabalhou junto com o saudoso Júlio Minei, da Farmácia Santa Fé, que teve sua sede na avenida Carlos Gomes. A farmácia era do Sr. Edgard Santa Fé Cruz, passou para o Minei, porém, foi conservado o antigo nome quando se mudou para a rua São Luiz e tornou aquele quarteirão um dos mais famosos da cidade e ponto de referência para outros comércios ou endereços procurados.
Falar de cinema, falar de arquitetura, de modernismo e estilo, é falar de Roberto Cimino, pai e filho. Na frente do seu escritório, quase na esquina com a Rua Maranhão, há três árvores que recebem cuidados artísticos na poda e compõem a fachada do prédio com um certo estilo europeu. As paredes pintadas na cor escura dão o destaque merecido para as folhas verdes; parece paisagem das ruas de Paris.
E naquele trecho, que mais parece a proa de um navio, pequenas portinhas são recantos de comércios e prestadores de serviços diversos. Este conjunto de lojas, de consultórios médicos, ótica e relojoaria, despachantes e artigos domésticos, cria um vai e vem que lembra muito o ritmo urbano de quando a rodoviária ainda estava por ali.
Foi numa destas portas, a de número 636, que o fotógrafo e grande amigo Manuel Joaquim Pires, o “Manuel do Tio”, manteve por anos o Foto Lusitano. Ali também foi sede do Consulado de Portugal em Marília, sendo ele o cônsul nomeado para intermediar os interesses entre os dois países. Mas tem outros fatos que talvez poucos conheçam.
Todos os dias, a abertura da porta do estabelecimento era aguardada com muita ansiedade pelos amigos portugueses, que faziam do Foto o seu ponto de encontro. Assim que o número chegava ao quórum, era iniciado o tradicional jogo de palitinhos (porrinha). Estabelecido o número de rodadas, ao perdedor cabia pagar os cafés, tomados em tradicional bar da esquina, passado em coador de pano e servido na xícara fervida, para manter a caloria.
Vi e ouvi, por vezes, o amigo Manuel ralhar com os amigos, pois não era possível falar ao telefone, tamanho era o vozerio e a animação. O “velho” Gaspar, gerente do Pastorinho, que tinha porta dos fundos na Carlos Gomes, fez parte das rodadas, deixou saudades. Depois que o Foto encerrou as atividades, não descobri se eles continuam se encontrando em algum outro ponto da cidade.
Na frente deste prédio, ainda existe um ponto de táxi, que é dos mais tradicionais na cidade. Um dos taxistas é o Sr. Hiroshi Funai, hoje aposentado, mas tenho a impressão de ainda vê-lo por lá quando passo pela rua. Além de chofer de praça, Sr. Hiroshi era massagista. Informalmente, ali mesmo no “banco da praça”, atendia grande número de pessoas que o procuravam, acometidas por torcicolos, nervo repuxado ou espinhela remontada. Algumas cenas muito hilárias ocorriam quando o atendido, em público, sentia e urrava com as dores do tratamento.
Na esquina com a rua Álvares Cabral, temos de um lado o edifício J.B (João Barreto), construído em 1983, possui interessante fachada com elementos vazados e quadriculados, outro marco urbano na arquitetura da época. Na frente, adaptada em labirintoso prédio residencial, a sede da Secretaria Municipal da Administração, Diretoria de Suprimentos, Licitação e Compras.
A avenida tem início no quarteirão onde está o hospital Materno Infantil da Famema. E, assim que atravessamos a Rua Floriano Peixoto, tem início a Rua Monteiro Lobato. Este fato ocorre com várias ruas e avenidas da cidade, em razão de que alguns bairros foram anexados aos já existentes, aproveitando o traçado das ruas para a criação de novas vias. Nas imediações, está a sede da Legião Mirim de Marília e do Ipem - Instituto de pesos e medidas.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 20/07/2014

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