domingo, 21 de setembro de 2014

Ruas de Marília com nomes indígenas (parte II)

Se tem algo que faz bem a todo escritor, seja roteirista, cronista, autor ou articulista, é encontrar-se com seus leitores e ouvir um comentário sobre suas publicações. Foi assim que fiquei muito feliz ao encontrar o amigo José Carlos de Lima, o Preá, carteiro de profissão, há mais de 39 anos, no domingo passado, quando ele me disse que gostou do que leu na coluna Raízes, publicada no dia 14 de setembro.
Porém, como bom carteiro que é, emendou logo em seguida: "Mas você se esqueceu de citar outras ruas, como por exemplo as ruas Jaci, Peri, Caiapós". Olha só, coisa boa é ter amigos! Eu já sabia que de uma tacada só não conseguiria reunir todas as ruas na primeira publicação, e é certo que com mais esta ainda vão escapar outras tantas. Mas aí é que está o prazer do escritor, na descoberta, na pesquisa, na provocação e no interagir com os leitores.
E lá fui eu, buscar novas tribos na cidade. A Rua Jaci tem até lenda que conta sua história: Tupã criou o infinito cheio de beleza e perfeição. Povoou de seres luminosos o vasto céu e as alturas celestes, onde está seu reino. Criou, então, a formosa deusa Jaci, a Lua, para ser a Rainha da Noite e trazer suavidade e encanto para a vida dos homens. Mais tarde, ele mesmo sucumbe ao seu feitiço e a toma como esposa. Jaci era irmã de Iara, a deusa dos lagos serenos.  
Esta rua está localizada nas imediações da "torre da TV Tem", em Marília, onde também encontramos as ruas Peri (esteira de junco), Caiapós (Kaiapós - homens semelhantes aos macacos), Chavantes (Xavantes - gente verdadeira) e Caetés (mata verdadeira). A Lei que institui estas ruas é a de nº 342, de 26 de agosto de 1952, na gestão do prefeito Adorcino de Oliveira Lyrio. No mesmo documento, encontrei as ruas Iracema, Guarani e Ceci, porém, nos mapas atuais não foi possível localizá-las.
Um pouco mais fundo na pesquisa e encontramos a Lei nº 358, de 25 de outubro de 1952, com anotações de alterações. Penso que o fato tenha se dado pela passagem da rodovia do contorno (SP 333), ligando com a SP 294, em frente ao trevo da Unimar. 
Continuando os trabalhos, saindo da zona oeste, nosso destino agora é a zona leste, passando antes pela Rua Piratininga (peixe seco), lá no bairro Alto Cafezal, pertinho da Araraquara (toca de Arara) e da Taquaritinga (taquara branca e fina), seguimos rumo aos altos do aeroporto, mais precisamente do Seminário São Vicente de Paulo.
É por ali que vamos encontrar outras tribos, onde antes estava era a Vila Recreio. E lá fui eu, conferir de perto a região, por sinal, muito agradável, com casas que me fizeram voltar nas memórias da infância, onde os quintais ainda tem pés de fruta, que mesmo nesta secura de fazer dó mostram flores teimosas, como vi nos cajueiros e limoeiros e em alguns pés de mamão macho. Tem casa de tábua com chaminé de fogão a lenha, tem aquele romantismo dos bairros onde o aroma do feijão quente corre na brisa nas ruas, perto da hora da "Ave Maria".
Descobri e conheci o Sr. Antônio Pizzone e a esposa D. Neide, ele filho do Bepo Pizzone, italiano que tinha uma granja com o nome do bairro. Ele os irmãos trabalhavam na granja, ajudando o pai. A irmã Tereza mora ao lado, e no terreno da casa dela conferi as instalações do grande poço caipira que alimentava todo o sistema de bebedouro das aves e do abastecimento de uso doméstico das casas ao redor. Havia fartura de água.
As ruas Tapuias, Iporãs (rio bonito), Cacique (chefe da tribo), Tupinambás, Tamôios (avós), Tupis (Tupi-grande pai) e Tapájós foram regulamentadas pela Lei de 29 de agosto de 1949, doação de área ao então prefeito Miguel Argolo Ferrão, por Gumercindo Muniz Sampaio e Leonardo Pires da Luz. Na Tupinambás, tem construções de madeira, com galo cantando e caramanchão de Flor de Primavera, fazendo moldura pra casinha caiada. Minha nossa, quanta poesia esse bairro ainda tem.
Considerando as datas das leis que instituíram os nomes destas ruas, nota-se claramente a influência histórica da colonização que o homem "civilizado" impôs aos primeiros donos da terra. Batalhas sangrentas, massacres e extermínios de tribos. Uma luta de corpos e de crenças, com direito a espetar cabeças decepadas em estacas ao longo das trilhas das comitivas. E foi antes, bem antes, que esta história toda começou, como podemos conferir na letra da música "Peixinhos do Mar", de Milton Nascimento.

Gente que vem de Lisboa
Gente que vem pelo mar
Laço de fita amarela
Na ponta da vela
no meio do mar
Ei nós, que viemos
De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala
Nós queremos é guerrear
Quem me ensinou a nadar
Quem me ensinou a nadar
Foi, foi marinheiro
Foi os peixinhos do mar
Ei nós, que viemos
De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala
Nós queremos é guerrear.

E se a sua rua também tem nome indígena, pode mandar um e-mail pra gente contando alguma curiosidade, destacando construções ou fachadas, personagens que moram ou que já moraram nela e outras sugestões. Vai ser bem legal receber suas contribuições, e dias destes, mergulhando em busca de nossas raízes, podemos nos encontrar por aqui.


Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 21/09/2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Ruas com nomes indígenas em Marília


Cada vez mais os recursos tecnológicos nos cativam. A cada dia, mais pessoas estão conectadas e introvertidas em seus mundos semivirtuais e, ao mesmo tempo, mais conectadas com uma imensidão de pessoas. Um contrassenso que vem merecendo estudos das mais variadas áreas, inclusive da psicologia e da sociologia, com o objetivo de tentar entender melhor este cidadão, plugado em tudo, porém, na maior parte do tempo, desconectado daquilo que está ao seu redor mais próximo. 
E não podemos negar que o mundo digital é muito atrativo. Com alguns programas instalados no celular, e com a devida permissão do usuário para que seja acompanhado em tempo real nos deslocamentos, ao final do dia, é possível obter um mapa das suas andanças. E, mais, o programa ainda agrega informações interessantes, sobre ruas e locais onde esteve, entregando, sem que você tenha solicitado, um pequeno filme da sua última viagem, dos locais visitados e da importância histórica e cultural destes locais.
Em recente viagem ao Rio de Janeiro, na companhia do Dr. Luiz Carlos de Macedo Soares, reitor do Univem, onde participamos do 3º Encontro de Reitores Santander Universia, me surpreendi quando o mister Google me presenteou com um filme contendo toda a trajetória, desde a partida, até o retorno para Marília, anexando as fotos que fiz com o meu celular durante o evento, e de pontos turísticos visitados. E ainda sugeriu e comentou outros pontos não visitados que estavam próximos de locais onde estivemos.
Para não correr o risco de perder as minhas fotos, mais o filme, o Google salva tudo lá na Nuvem, e eu posso buscar, sempre que desejar rever momentos ou mostrar aos amigos. Lembrando o seriado da dupla justiceira, na fala do menino prodígio Robin: "Santa Tecnologia, Batman!".
E não tenho dúvidas de que a nossa coluna Raízes, publicada regularmente aos domingos no Jornal Diário de Marília, já está devidamente indexada e catalogada na Nuvem, para também ser fonte de consulta do "grande sistema", permitindo que muitas histórias sejam contadas e enriquecidas com os registros e informações organizadas em forma de texto e ilustradas com imagens.
Quando alguém estiver navegando na Internet e pesquisando sobre a cultura indígena em Marília, vai descobrir que, no bairro Salgado Filho, existe um conjunto de ruas que homenageiam as tribos indígenas brasileiras. São elas: Coroados (cabelo cortado em forma de coroa), Carajás (Karajás - coisa ruim), Carijós (mestiço), Coroás (Koroás - veneno para matar peixes), Corumbis, Bororós (pátio da aldeia), Aimorés (botucudos), Tupã (deus da luz), Caiçara (vive da pesca) e Tabajara (senhor da aldeia) .
As ruas estão localizadas na região onde antes era a Fazenda Bonfim, nas costas do Marília Tênis Clube, chegando aos altos das proximidades com o Cemitério da Saudade. Apesar de sua fundação estar registrada na história em fevereiro de 1930, o Tênis, como é mais conhecido, passou por vários endereços antes de chegar à Avenida Rio Branco, fato consumado em maio de 1961.
Mencionamos o Tênis Clube porque foi a Sra. Olívia Cândida de Almeida a grande idealizadora do loteamento Salgado Filho, conforme Lei nº 429, de 30 de outubro de 1953, que autorizou a Prefeitura Municipal a receber a área por doação pura e simples. Na planta aprovada do loteamento, processo nº 1.352/53, além das vias já mencionadas, constam ainda a Rua Cel. José Braz, a Avenida Rio Branco e a Rua Guanás, e incorporando parte da área ao patrimônio do Tênis Clube.
Na pesquisa de campo, identifiquei uma quebra na sequência das paralelas. Entre as ruas Corumbís e a Bororós, antes, havia a Rua Pirajá (viveiro de peixes). Com a ajuda e pesquisa do companheiro na Comissão de Registros Históricos, Paulo Colombera, diretor da Câmara Municipal de Marília, resgatei que, por iniciativa do então prefeito Domingos Alcalde, pela Lei nº 3429, de junho de 1989, a Câmara Municipal aprovou a sua solicitação para a mudança de nome, passando a denominar-se Dr. Cesar de Almeida Pirajá, médico, soldado constitucionalista, falecido em agosto de 1949.
Percebi, durante as pesquisas para a produção do presente artigo, principalmente na tradução das palavras indígenas, uma variação de escrita que alterna as letras C e K, como por exemplo a palavra Karajás. Isto se deve ao fato de que os primeiros pesquisadores que produziram registros sobre as diferentes etnias foram antropólogos alemães. Com o passar do tempo, houve o "abrasileiramento" da ortografia, passando a escrever com a letra C no início. Dentre os documentos encontrados no vasto mundo digital, menciono: "A contribuição Alemã à Linguística e Antropologia dos índios do Brasil, especialmente da Amazônia" e o livro "O Viajante Hércules Florence; águas, guanás e guaranás", Days Peixoto Fonseca, editora Pontes, com relatos da expedição Langsdorff.
Uma coisa é certa: entrar neste mundo da pesquisa para produzir os textos dominicais tem me proporcionado alguns bons momentos de imersão na história, não somente da nossa cidade, mas da nossa cultura e do povo brasileiro. Ao escrever, registramos uma nova memória temporal, partilhamos conhecimentos com os leitores e internautas,  especialmente professores e alunos das nossas escolas, por meio de um olhar que consiga traduzir o contexto histórico e o atual.  Fica a dica sobre o livro mencionado acima "O Viajante", com relatos da expedição realizada entre os anos 1825 e 1829, para a produção de registros e relatórios sobre a paisagem brasileira e a sua gente.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A nossa história na Rua Sete de Setembro


No Facebook existe um grupo denominado "Memória de Marília", criado por Wilza Matos , bibliotecária da Câmara Municipal de Marília, membro da Comissão de Registros Históricos, com o objetivo de ampliar a participação da comunidade no resgate da memória cultural da nossa gente e da nossa terra. E a iniciativa deu mais do que certo, tanto, que a página já conta com 3.441 membros e tende a crescer.
Além de se tornar um "ponto de encontro" de quem literalmente curte as memórias da nossa cidade, também atraiu marilienses que estão residindo fora. O melhor é que nestes últimos dois anos de atividade a página se tornou um dos principais canais de coleta de novas informações para a Comissão. Foi uma avalanche de fotos e de documentos antigos, a maioria, arquivos de famílias que estavam guardados  nas gavetas.
A cada nova velha foto postada sempre segue uma série de comentários. E como uma história puxa outra, um fio de lembrança puxa a meada de fatos e personagens que a penumbra do tempo estava quase apagando.  Foi assim que decidi pedir ajuda aos seguidores do site para escrever sobre a Rua Sete de Setembro.
Fachada atual
A Regina Aparecida Perpetuo, entusiasmada, postou uma série de informações: " na 7 de setembro, esquina com a Sampaio Vidal, era o Magalhães. Foi sede da primeira faculdade de Marília e do primeiro curso de química industrial . Já na esquina com a av. Santo Antônio, existiu a Serraria dos Capeloza, vizinho a Fabrica de Móveis da Família Simplício, um pouco adiante, o Centro Espírita Amantes da Pobreza, fundado em 1.938. Moraram nesta rua as famílias Borguetti, Stropa, Grassi, Galati, Patori , Salzedas, Mazzali,Tanuri ,Tavares da Costa, família do Marcelino Medeiros. Irigino Camargo morou na esquina da Lima e Costa por mais de 50 anos ,também a matriarca da família Jorente e o Orlando Lopes Fassoni .Entre a rua 24 de dezembro e av. Santo Antonio, tinha a Oficina de Onibus Orience, e depois passou para oficina de conserto de autos do Onofrinho .Na esquina com a rua XV de Novembro, foi o Tiro de Guerra. Ao lado da sapataria (nº 301)que foi citada existiu o açougue. O Ricardão, dono do Bar do Rio do Peixe, morou por mais de 20 anos entre a Sto. Antônio e Lima e Costa . Ainda mora lá desde, 1950, o Carlinhos, que tinha banca de revista na Rodoviária , filho do Prof. Antônio. Até 1950 ainda era o cafezal da Fazenda Bonfim, quando começou as construções das casas. Um bem conhecida e que mantem as características originais é a residencia do Manhães, que tinha bandeiras hasteadas, hoje pertence a família Doreto, onde no jardim até bem pouco passado, havia tonel para curtir cachaça, que veio do alambique pertecente a família (Katyra). Moraram nesta via também,o José Nelson de Carvalho,o Wilson Borguetti, o Alfredinho Novaes( ao lado a esposa montou uma confecção e loja ), o Dr. Mazzafera, que doou terreno para construção da Igreja de Nossa Senhora de Lourdes.
Antiga entrada da Fazenda
O Mansur Lufiti,reforçou: " A rua 7 de setembro terminava na rua Bonfim, bem na entrada para a fazenda. Em seguida havia o cafezal. A gente descia do campo de futebol do Morro do Querosene, até o campo de futebol da fazenda Bonfim, pelo meio desse cafezal. Eu também me lembro da queima de fogos de artifício, em 4 de abril e 7 de setembro, na baixada da rua que era completamente desabitada.. A última coisa que havia era o muro dos fundos do Tênis Clube."

O Antonio Jr, outro membro do grupo, destacou que foi o seu finado avô, Jose Thomaz, um dos primeiros moradores da rua, casa nº 520, e que ele mandou puxar toda a rede elétrica da 07 de Setembro. Lembrou também que por baixo do asfalto de hoje, a rua é toda de pedras de paralelepípedos.
E tivemos a contribuição do Brasa, o Luiz Carlos Martins Morilhas: "a Regina Perpétuo, assim como o Mansur Lutfi, reportaram com muita propriedade a perspectiva da Rua Sete de Setembro nas décadas de 40/50/60. Nasci no ano de 1.949 e fui criado na esquina da rua São Luiz com a Rua Cel José Braz, nº 206, o prédio ainda existe. Palmilhei essa redondeza na minha infância.
A casinha de madeira entre os prédios
Visitei a casinha de madeira, que já foi sapataria, tendo ao lado o açougue em alvenaria. As duas construções guardam a história deste tempo relatado acima pelos amigos. O forro da casinha é trabalhado artísticamente, tem respiro e arremates para dar um charme no ambiente, tem porta com tranca de madeira e janela veneziana.
Sob a direção da empresária Alexandra Pereira Prizão, atende aos clientes com dois ramos de atividade,  a venda de água mineral e de artigos para limpeza. Escovas, vassoura caipira, sabão caseiro, panos de limpeza feitos de sacos alvejados, se misturam a produtos de limpeza doméstica. O ambiente, o conjunto de informações visuais, o cheiro característico de alguns produtos ali expostos, nos levam de volta ao passado.
Conversamos bastante, ela, muita atenciosa, contou que tem planos para o futuro breve. Quem sabe, a 7 de setembro volte a ter uma "venda", com doce de leite de lata, fumo de rolo, réstias de cebola e alho, feijão novinho na sacaria, garrafas de cachaça na prateleira, um rádio antigo, um moinho, e um bom café fresco, passado no coador de saco e servido na canequinha de ágata. Seria tudo de bom.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 07/09/14