segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Campos Salles, a rua do Banespa e do INPS

Creio que a maioria de nós, marilienses, conhece da Rua Campos Salles o trechinho que vai da Rua 24 de dezembro até a Av. Sampaio Vidal, considerando que esta é uma das vias de acesso ao centro comercial. É uma das ruas mais tradicionais da cidade, porém, sem evidência, talvez pela falta de maiores atrativos, como, por exemplo, prédios públicos, lojas comerciais, ou prestadores de serviços que atraiam maior de pessoas.
No passado, a Campos Sallles era conhecida como a rua do Banespa, referência comum quando as pessoas solicitavam informações sobre localidades na região central. Aí o Banespa virou Santander, e o antigo INPS (Instituto Nacional da Previdência Social), que tem prédio na mesma quadra, mudou de endereço, para a Rua Castro Alves, e de nome, passando a denominar-se Instituto Nacional de Seguridade Social. Banespa era o banco onde a maioria dos funcionários públicos recebia o pagamento, INPS era o local onde se comparecia para retirar guia de consulta médica e também da aposentadoria dos trabalhadores.
Residencial Âmbar
Lembro-me de filas enormes em frente ao prédio; tinha que chegar cedo, muito cedo, para conseguir a guia de uma consulta que era marcada para dias ou meses à frente. Meu pai chamava as paredes do prédio de "muro das lamentações", tamanha era a chiadeira do povo com relação aos serviços, ao tempo de espera e, vez ou outra, alguém saía na porta da repartição e gritava: "Pessoal, por hoje, as guias acabaram, voltem amanhã." Depois de horas na espera, ouvir esta informação era desanimador, ou então, como se dizia: "isso é caso de polícia".
Na mesma quadra, encontra-se a tinturaria e lavanderia Mica. Tintureiro já foi serviço de mestre, coisa de quem entendia do assunto mesmo. Roupas manchadas ou desbotadas... leve ao tintureiro para a devida lavagem e tingimento, sempre com o cuidado de não destoar da cor original, principalmente os ternos e as calças. Hoje, alguns estabelecimentos conservam a denominação de tinturaria, mas concentram a maior parte dos seus serviços em lavar e passar as roupas.
Mas a Campos Salles segue até os muros do abrigo Mansão Ismael, onde a residência de nº 1084 marca o final do via. Do outro lado da rua, está o prédio no qual se encontra o ponto de coleta de pneus usados. Consultei o Leonardo Mascarim, nosso Secretário Municipal do Meio Ambiente, para saber como funciona. Ele explicou que é uma parceria entre o governo municipal e a iniciativa privada.
De um lado, os fabricantes de pneus, que pela nova legislação precisam cuidar da reciclagem dos produtos descartados, é conhecida como a lei de resíduos sólidos. Neste circuito, entram também os revendedores de pneus. Depois da troca, é preciso informar qual foi o destino dos velhos pneus, antes descartados como lixo. Os fabricantes criaram a Reciclanip, associação financiada por eles, com a finalidade de coletar as carcaças.
Em Marília, foi criada a Reversa Pneus, associação mantida pelos revendedores, que atua em parceria com a Reciclanip e a Prefeitura Municipal. Faz a coleta, expede o certificado que atende aos revendedores no cumprimento das normas de sustentabilidade sobre resíduos sólidos, e as carcaças são encaminhadas para cidades do Paraná, onde são trituradas. O material resultante é reutilizado, entre as opções, na composição da camada de asfalto para rodovias.
Em toda a sua extensão, a Rua Campos Salles é marcada por residências bem antigas, salvo o quarteirão entre as ruas Santo Antônio e Lima e Costa, onde foi construído o moderno prédio do residencial Âmbar. A edificação chama a atenção pela fachada leste, na qual o arquiteto responsável criou um enorme painel, com um círculo central; deduzi que talvez seja para proteger as janelas da excessiva exposição dos raios solares e, ao mesmo tempo, permitir uma boa ventilação para os apartamentos.
Vizinho deste prédio, há uma construção bem antiga, de alvenaria, e uma casinha de madeira. Pelas frestas do portão, fotografei a fachada da casa e a bem cuidada horta, onde os canteiros estão protegidos por garrafas pets com água. Ouvi dizer que ali funcionou a oficina do Sato, o artesão das enxadas e ferramentas agrícolas, muito utilizadas na agricultura das lavouras de Marília e região. Lembro de um dia em que comprei uma faca especial para Sashimi, feita de lâmina de serra de madeira, resistente e de fácil afiação. Do comerciante, ouvi: "Pode levar, é garantida, feita pelo Sato".
horta caseira
Na Rua Campos Sallles, além da tinturaria, tem outras histórias guardadas no tempo e nas antigas residências de família, algumas reformadas para pequenos comércios e escritórios. Tem a casa do ilustre Dr. Francisco Benedicto Luiz de Anhaia Ferraz, in memorian, por anos presidente da Fundação de Ensino "Eurípides Soares da Rocha", tem o tradicional escritório do advogado Dr. Nadir de Campos, tem escola de música e tem feira-livre pertinho, montada na esquina com a Rua Lima e Costa, toda quinta-feira.
Manoel Ferraz de Campos Salles (1841-1913) foi presidente do Brasil, de novembro de 1898 a novembro de 1902. Seu governo foi marcado pela política de apoio à agricultura e de valorização do plantio de café.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

As Ruas Benjamim Constant e Chisato Hatada. Histórias que a vida costura


Escrever textos é algo muito parecido com explorar cavernas. Você sabe que tem a porta de entrada, mas não sabe ainda o que vai encontrar nos labirintos e câmaras que se formaram com a ação do próprio tempo e da água sobre a estrutura.
Tem sido assim na produção dos artigos, nos quais venho tentando explorar os segredos das ruas da nossa cidade, uma experiência incrível, geralmente, carregada de boas emoções e de histórias apaixonantes. E aconteceu de novo.
Rua Benjamim Constat
Decidi escrever sobre as ruas Benjamim Constant e Chisato Hatada, localizadas no bairro Fragata. A primeira, pela presença de uma pequena loja, quase na esquina com a Rua Abel Fragata, onde uma enorme primavera decora sua fachada. A segunda, pelo fato de que esta é uma das ruas "sem saída" existentes em Marília. O fundo faz divisa com a loja Mac’ Donalds.
Foi na Rua Benjamim que conheci o Francisco Diniz, mais conhecido pelos clientes como Diniz. A sua loja tem o criativo nome de Rebrincar - consertos e reparos de brinquedos. Pois é, numa época em que as relações e os objetos estão tão descartáveis, como é que alguém pode ter uma loja de reparos de brinquedos? E olha que não lhe faltam clientes, da cidade, da redondeza e de outros municípios bem mais distantes.
Diniz em sua loja
Ele veio de São José dos Campos, no ano de 2005, onde tinha uma oficina de construção de veículos para esportes radicais off road, também conhecidos por Gaiolas, e também era artesão, esculpindo peças em madeiras. A decisão de mudar-se para Marília foi em razão da estar mais próximo da mãe, Sra. Maria de Lourdes, de quem fala com muito carinho. Assim que foi possível, abriu as portas da nova loja, que até hoje conserva um misto de oficina artesanal, loja de reparos eletrônicos e de brinquedos.
Faz consertos em bonecas, carrinhos eletrônicos e helicópteros de controle remoto. Sobre uma das bancadas, um toca discos, daqueles bem antigos, esperando sua vez de entrar nos reparos. Diniz vive de bem com a vida e se mostra uma pessoa feliz.
Rua Chisato Hatada
E olha só como as histórias se cruzam na linha da vida. Foi na Rua Chisato Hatada que conheci a Simone, baiana de Salvador, igualmente feliz e de bem com a vida. Fisioterapeuta de formação, saiu da terra natal com destino ao Rio de Janeiro, onde fez o curso superior. De lá, seguiu para São Paulo. Ministrava aulas em Guarulhos, local onde conheceu Antonio, filho de um ilustre personagem mariliense, o Primo Alfaiate. Ele, professor de história, ela, contadora de histórias e professora.
No encontro com Simone, perguntei de onde veio esta inspiração de se tornar uma contadora de histórias, fez curso? A resposta me surpreendeu: - Fiz não! - E então, como foi que aconteceu de entrar neste mundo? - Eu penso que é uma missão!, disse. Simone faz parte da ONG "Viva e Deixe Viver" (www.vivaedeixeviver.org.br/), associação que forma voluntários para contar histórias para pacientes hospitalizados.
Detalhe. Simone e o marido também se mudaram para Marília para ficar mais próximos do pai dele, que estava com idade mais avançada e precisava de companhia. "Nossa decisão da mudança foi muito acertada, convivemos com ele durante quase três anos, intensos de emoção e de amor". De herança e de lembrança, daquilo que realmente tem valor na vida, Primo Alfaiate deixou para Simone duas máquinas de costura, que estão em local especial na residência, cobertas com toalhas de bordado e renda. Para ela, uma honra ter recebido o carinho do presente.
Simone, contadora de histórias
Casa simples, ambiente aconchegante. A sala de visitas foi adaptada para abrigar a alfaiataria. Hoje, o mesmo local é o consultório de fisioterapia. Um armário de madeira adorna a parede lateral. No passado, cortes de tecidos nobres e peças acabadas se acomodavam nas divisórias, esperando a entrega aos clientes. Virou estante de livros, com inúmeros títulos organizados lado a lado. Por sinal, o que mais tem na casa, além do ar de alto astral, são livros, em vários móveis.
Convidado a conhecer o ambiente, notei a presença forte e marcante de fotos de família, muitas fotos, sobre móveis e penduradas em paredes. Aqui e ali, o Primo Alfaiate, com os filhos, com os netos, com a nora, e também sorrisos, muitos sorrisos. Casa de gente feliz tem cheiro de felicidade no ar.
Primo alfaiate com os netos
Sobre a estante comentada acima, um vidro enorme, de boca larga, e cheio de botões. Olhei para o objeto e me pareceu que o velho alfaiate estava ali, zelando pela harmonia do ambiente e pelos netos, que enchem os espaços com algazarra, peraltices e dengo, comuns da tenra idade.
E foi neste clima que a minha pesquisa se completou. Duas ruas e duas histórias de vida em que pessoas abriram mãos de sonhos e projetos em andamento, para estarem mais próximas de quem amam. Em nenhum momento senti um fio sequer de arrependimento, pelo contrário, uma sensação de bem-estar e de bem viver emana de suas almas naturalmente.

Chisato Hatada - Nasceu no Japão em 28/10/1923,chegou em Marília em 1948. Montou a firma Irmãos Hatada, mais tarde transformada em Perfilados Marília Ltda.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 15/11/2014           

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Feira de orgânicos nas ruas de Marília


As feiras de produtos orgânicos se tornaram uma febre em São Paulo. O assunto é levado tão a sério que tem até um instituto, igualmente sério, que produziu um mapa nacional para você encontrar as indicações dos locais onde acontecem feiras orgânicas e a presença de grupos de consumo responsáveis. Fui lá conferir e a mais próxima de nós está na cidade de Palmital, que, por coincidência, acontece também nas quintas-feiras, das 14h às 18h30, na praça central da cidade.O mapa está disponível em http://www.idec.org.br/feirasorganicas.

Perceberam que a via é de mão dupla? A produção orgânica está diretamente ligada ao consumo responsável, ou seja, aos cidadãos que têm a consciência do comer bem, que veem nos alimentos a prevenção e o melhor remédio. 

Da mesma forma, a produção orgânica tem seus limites, exatamente porque não é de escala, mas sim de métodos e processos, alguns por sinal bem empíricos, onde se acompanha, por exemplo, as fases da lua para fazer o plantio e esperar a colheita. Mas, pensar que é possível alimentar uma nação só com orgânicos é algo muito distante da realidade; são muitas bocas e a fome é grande.


Aqui em Marília a feira de quinta-feira, na Av. das Indústrias, das 17h às 22 h, conhecida também como Feira Noturna, pode ser uma boa opção para, num futuro próximo, a gente ter um espaço agroecológico e adquirir produtos cada vez mais saudáveis. Mas, para isso, é preciso treinamento, capacitação, organização, fatores que por si vão gerar a conscientização. Produzir orgânicos dá mais trabalho e menor volume. Por isso mesmo, os produtos de origem orgânica têm preço mais alto do que o varejo extensivo.

Na feira em questão, a maioria das barracas está na área da gastronomia, se bem que a proposta do início era para ser mais diversificada. Produtor rural acorda cedo, ou melhor, de madrugada. Antes disso, tem que plantar, cuidar, molhar, colher, e só depois carregar a Kombi para ir à feira, montar a banca e vender. Poucos deles conseguiram acertar a agenda e participar da Feira Noturna.



Tião do Café, levou torrador para a feira
Mas lá tem o pão caseiro, orgânico, vendido embalado e congelado. Você compra e segue a receita: retira do congelador no período da noite e deixa na assadeira, coberto com pano úmido, até o dia amanhecer. Aqueça o forno e ponha para assar, por 20 minutos, e pronto, o cheiro de pão feito em casa toma conta da casa toda. Experimentei e aprovei, a família aplaudiu e pede bis. Pão quentinho com manteiga derretendo faz sucesso sempre.

Tem café moído na hora, tempo de espera suficiente para trocar receitas e falar de "engordices" que sempre fazem muito bem para a cabeça, ou dos chás que emagrecem, das receitas menos ou mais calóricas. Comer é ser feliz, comer bem, mais feliz ainda, e promove a socialização das pessoas.

Tem vários trailers onde, geralmente, os pasteis, fumegantes e estalando a massa crocante, são os campeões de venda, dos tachos direto para a multidão de bocas que sopram e mordem ao mesmo tempo. E o famoso bolinho de carne? O ritual é: morder e virar a ponta para baixo para escorrer o caldo, depois, muito molho de pimenta e de cheiro verde picadinho.

Um conhecido feirante que comercializa morangos investiu alto e providenciou novo trailer, este revestido de inox, impecável na limpeza, para vender as cestinhas de frutas, naturais, até que o cliente faça o pedido de despejar calda de chocolate quente ou leite condensado. E tem as vitaminas, os sucos, igualmente naturais, basta não adicionar açúcar refinado, podendo substituir por mel, vendido no mesmo local pelo meliponicultor Antônio Scalco.

Fui procurar mais informações sobre como está a produção orgânica em nossa região e cheguei até o escritório regional do Sebrae/Marília. A técnica Cristiane Aguiar, atenciosa como sempre é, me deu boas informações. Existe um trabalho voltado para a holericultura ou  agroecologia, onde agricultor utiliza insumos e defensivos naturais no processo produtivo, faz a compostagem para adubação e o controle de pragas via insetos e predadores naturais. Cuida, ainda, da correta utilização e reutilização da água para rega, faz a preservação de nascentes, sempre buscando o equilíbrio no biossistema da área produtiva.  

Venda de mudas de hortaliças
Neste trabalho, depois de um estudo sobre a área do plantio, faz-se o planejamento da produção, até a entrada (venda) no mercado, tudo com acompanhamento técnico com vistas a obter sempre os melhores resultados. Um exemplo prático é a empresária Ana Paula, da Usina Paredão, no município de Oriente, que criou a empresa "Balaio". Cristiane contou que ela faz entregas domésticas regulares de cestas com produtos orgânicos, tudo fresquinho, saído da horta, direto para a mesa das famílias. Tem fila de espera.

Depois de dois anos de atividades acompanhadas, os produtores rurais que estão investindo na holericultura poderão solicitar a certificação de orgânico. Entre os institutos que emitem o selo está a Associação de Biodinâmica, estabelecida na cidade de Botucatu.

Quem sabe, em breve, nós tenhamos nas feiras e ruas da cidade mais barracas comercializando orgânicos e promovendo oficinas de sucos naturais,de tortas e bolos, tudo na moda como era feito pelos nossos avós, pois, como dizem: "Una buona nonna vale cento maestre."
 
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 09/11/2014

domingo, 2 de novembro de 2014

A Rua Benedicto Nery de Barros e os patinhos da Dona Nilda



Tem ruas da cidade que já nasceram com a vocação para cartão postal. Seja por uma árvore com a copa mais bem formada, uma casa diferente, ou mesmo pelo conjunto da paisagem, estas ruas se tornam mais poéticas e prendem a nossa atenção, de tal forma que nos levam a outro estado mental, o estado receptivo, provocado pelo perceptivo diferenciado.
A Rua Benedicto Nery de Barros tem esta vantagem de ser uma rua cartão postal. Primeiro, pela sua condição geográfica privilegiada, de onde se tem uma bela vista da zona sul da cidade, não sem antes passar os olhos pelos imensos paredões dos Itambés. Depois, pela iniciativa dos seus moradores em transformar uma região sob risco de erosão e matagal em área de lazer.
Osmi Mioto
Tudo começou há oito anos e um dos personagens do enredo é o amigo Osmi Mioto. Foi um dos primeiros moradores da rua. A sua residência tinha varanda alta e dava vista para o imenso vale, limite entre as zonas oeste e norte da cidade. Osmi é um apaixonado por animais. No passado, quando visitei o local para fazer alguns registros fotográficos, ele estava passeando e brincando com sua cachorra “Belinha”, uma Border Collie, de cor preta, sapeca e levada da breca.
Foi naquele dia que ele me mostrou um projeto que estava nascendo. A ideia era transformar a grande área, que fica do outro lado da rua, em um bosque, uma reserva ambiental comunitária. Algumas espécies de árvores nobres já estavam plantadas, tinha também uma pequena roça de milho, pés de fruta e até uma horta de pepinos.
Era um sonho que começava e contava com a grande vantagem de ser um sonho coletivo. Seu Osvaldo, outro morador, ajudou Osmi a melhorar as condições da pequena nascente de água que brotava tímida em meio ao mato. Com alguns cuidados e em pouco tempo já havia uma represinha.
Passaram-se os anos. Retornei lá há poucos dias, para ver se as coisas continuaram conforme o previsto. O universo conspirou a meu favor e encontrei o amigo no local. Já tem mais de cinco anos que mora em outro bairro, mas dia sim, dia não, religiosamente, vai cuidar das benfeitorias que continuam sendo realizadas.
Com a ajuda e o incentivo da equipe da prefeitura municipal e de parceiros, o projeto já ganhou mais de 300 novas mudas de árvores frutíferas e nativas. A pequena nascente, agora, já é uma represa com bom espelho de água, onde alguns patos nadam tranquilamente.
Foi neste cenário que surgiu Dona Nilda Kobayashi, outra moradora. Trazia nas mãos uma pequena vasilha de plástico com restos de folha de alface e reciclados da pia da cozinha de sua casa. De longe, ela chamava os patos para vir ao seu encontro e distribuir os alimentos. É um ritual que segue todos os dias, e os animais, inclusive pássaros silvestres, já se acostumaram e ficam na espera. Hora da merenda.
A estudante de arquitetura Bianca Ferreira já construiu sua morada na área e está colaborando com os vizinhos na elaboração de um projeto que pretende instalar uma praça, tudo com orientação legal para não gerar impactos ambientais. O próximo passo é plantar grama no entorno da represa.
Outro entusiasta e morador de longa data é o Sr. Maércio Muller. Vendo a movimentação na área, se aproximou e deitou contar histórias. E olha que ainda não é praça, imaginem quando tiver bancos e sombra boa pra ficar debaixo... vai rolar muita prosa com os amigos.
Nascido nas encostas do bairro do Pombo, em 1933, Maércio diz que tem aquilo tudo nas veias. Diz que sonha em ver uma outra área, próxima, onde hoje só tem capim navalha e brejo, ser transformada em mais uma represa. Água tem à vontade.
Enquanto conversamos, Dona Nilda continuava cuidando dos patos. Osmi contou que estava faltando um deles. “Dias destes, neste mesmo horário de fim de tarde, chegou aqui na represa um pato selvagem, veio voando lá do vale. Uma das patinhas se engraçou com ele. Na certa, ele tinha muita história pra contar, afinal, era aventureiro de outras plagas. E foi assim que antes do sol se pôr, os dois alçaram voo, juntos, como se há muito tempo se conhecessem, e a gente, até hoje, fica esperando que ela volte.” 
O relato me fez lembrar trecho da música dos artistas Guilherme e Santiago: 

Distante do meu amor eu não posso ter alegria
Vou montar em meu cavalo e vou sumir na escuridão
Vou buscar minha morena, meu amor, minha paixão.
Vou selar o meu cavalo e calçar um par de esporas.
Peão que é peão não chora.
Quebra tudo por paixão.
Meu cavalo marchador sabe que pra tudo tem hora.
Hoje a morena vai embora na garupa do alazão.”
Benedicto Nery, que dá nome à rua, foi agricultor e proprietário da “Fazenda Todos os Santos”, casado com Maria José de Barros. Faleceu em abril de 1979.
 

Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.

publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 02/11/14