domingo, 1 de fevereiro de 2015

E o circo chegou

Passando pela Avenida Vicente Ferreira, nesta semana, vi que o circo chegou à cidade e se instalou no antigo terreno da fiação de seda. O lote é propriedade da prefeitura e se tornou o novo endereço dos parques de diversões e dos circos.
Primeiro chegam as pesadas carretas com as estruturas, depois os trailers, morada dos artistas e trabalhadores. A lona azul é estendida sobre as estacas e logo a placa com o anúncio "hoje tem espetáculo" é instalada. O carro com alto falante instalado sobre o teto já começa a percorrer as ruas da cidade, anunciando os horários dos espetáculos.
Ao cruzar com um destes veículos, me aflorou a lembrança do tempo em que os circos eram montados na baixada da Av. Santo Antonio, esquina com a Rua Araraquara. Havia uma ponte de concreto que passava sobre o Córrego do Pombo; o local foi aterrado e construída a segunda rodoviária de Marília.
Os circos e parques utilizavam esta área com muita frequência. Um mastro bem alto era erguido e duas cornetas de alto falantes tocavam músicas o dia todo. Conforme a intensidade do vento, a música era levada para bem longe, atraindo mais clientes, tal qual um mantra marqueteiro. Uma das mais tocadas era “Girls just wanna have fun”, com Cyndi Lauper, novidade e sucesso absoluto da música estrangeira. O mesmo vento carregava o aroma da pipoca, feita na manteiga, e da maçã do amor, uma combinação perfeita para as atrações.
Eu morava no alto da Rua 24 de dezembro. Lá de casa, ouvia a música e os anúncios: “Venha conhecer a incrível mulher barbuda, o trem fantasma, a barraca do tiro alvo, o homem que vira lobisomem, venha andar no carrinho de trombadas...”. Aliás, esta foi a primeira experiência automobilística minha e de muitos amigos.
No circo, as atrações principais giravam em torno do indomável Tigre-de-Bengala e de suas poderosas garras, o globo da morte e os motoqueiros intrépidos, o atirador de facas de olhos vedados e sua linda assistente, desafiando a vida na roleta russa.
Fazia uma catada de moedas para juntar os trocos e poder andar na montanha russa, jogar na barraca das argolas, andar na roda gigante e ver a cidade lá do alto. Com um pouco mais de sorte, no fim da diversão, podia rachar um cachorro quente com quatro ou cinco amigos. “Põe bastante molho que a gente vai dividir, tá?!”
Minha nossa, haja coração! Segurar moleque em casa nestes dias era missão impossível. Mal acabava a escola e lá estávamos nós, na porta do circo, à procura de cortesia ou de alguma prestação de serviços que pudesse facilitar a entrada. Uma das barganhas era levar jornais e trocar pelo ingresso, pois os papeis serviam para forrar as jaulas dos animais que ficavam em exposição.
Outra molecagem, pela qual muitos dos meus amigos vão queimar no fogo do inferno (só eles?), era pegar os gatos da vizinhança e levar escondido dentro de um saco. Conta a história que fora das vistas do público, os gatos eram jogados nas jaulas para alimentar os tigres. Lenda ou não, por via das dúvidas, Dona Adélia, Dona Ruth, Dona Lourdes, Dona Ambrozina e Dona Maria do Cajueiro, nossas vizinhas do bairro, ficavam com os olhos bem abertos e tratavam de esconder seus bichanos.
De tardezinha, a carreata do circo percorria a cidade levando as jaulas; a carreta aberta carregando o elefante com o pé amarrado por forte corrente; a “mulher borracha”, que se contorcia dentro de um arco improvisado em trapézio móvel; o palhaço de peruca loira, nariz vermelho sapatos enormes; o homem mais forte do mundo, que erguia mais de 150 Kg sem transpirar uma gota sequer; e o mágico ilusionista, que mostrava toda sua habilidade nos truques com cartas de baralho.
Atrás da carreata, seguia uma procissão de moleques que se embriagava com o cheiro forte dos animais expostos ao sol, com a música alta das cornetas falantes; se atropelavam, “pegavam rabeira” nos para-choques e ralavam os cotovelos e joelhos, tudo na esperança de conseguir um ingresso para o espetáculo da noite.
Nas imediações deste terreno, ficava a chácara São Carlos, bairro que mantém o mesmo nome, região com muitas minas de água boa, favorecendo a presença e o trabalho de muitas famílias que viviam da cultura e venda de hortaliças. 
Nos altos da Rua Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, no terreno onde se encontram instalados o Instituto Adolpho Lutz e o Centro de Saúde, havia um grande pomar, com jabuticabeiras e algumas árvores de porte. Restaram duas jaqueiras,
bem na esquina com a Rua Lima e Costa, árvores tombadas mediante decreto expedido pela Câmara Municipal de Marília, que ganharam a condição permanente de imunes ao corte.
E hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor!



Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.

Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 01/02/2015

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