terça-feira, 28 de julho de 2015

Nossa bandeira e o nosso Brasão


Na visita ao museu municipal que fiz na semana passada, além de gravar a entrevista com o Sr. Otávio Torrecilla, eu tive dele uma boa aula sobre a nossa bandeira e o nosso brasão. Tudo começou porque em uma das vitrines esta exposta uma das bandeiras de Marília, com a cor branca de fundo e o brasão ao centro, versão esta que eu não conhecia, pois a atual tem as cores vermelha e branca.
Ao comentar o assunto o Sr. Torrecilla me chamou a atenção para outro fato relevante e me disse para procurar um erro no brasão. Erro? Como assim?
Comparei os modelos confeccionados e exibidos para duas oportunidades festivas da cidade; a da comemoração dos 25 anos e depois as medalhas e folhetos para as comemorações dos 50 anos. Os brasões são diferentes porque exibem duas versões de um símbolo que representa os pés de café, cultura que foi a grande alavanca do desenvolvimento do agronegócio em Marília. Mas isto não era um erro e sim uma mudança de design e o meu interlocutor questionava o erro.
Além destas observações eu questionei a cor verde do triângulo, já que na bandeira mineira o triângulo está na cor vermelha. Nesta relação mental direta e simples a comparação me remetia a um erro, mas não, visto que a aplicação é da bandeira dos inconfidentes.
Primeira bandeira, fundo branco, triângulo na cor
 vermelha, três torres, pé de café no fundo amarelo,
frase em latim.
Vencido pela curiosidade ele me apontou a incorreção: o braço que sustenta a flamula estava desenhado de forma incorreta, sendo este, o braço esquerdo, porém, a mão que segura a flamula é a destra, ou seja, uma deformação que passou despercebida por longos 40 anos.
















Novo brasão, com o braço correto, as torres corrigidas, o triângulo na
cor verde e a frase em português
Somente no ano de 1978 a correção aconteceu promovendo-se o novo desenho do braço armado. Observar também que o pé de café também foi substituído pela catraca, símbolo do comércio pujante da cidade e as torres redesenhadas.
Na biblioteca da Comissão de Registros Históricos tem muito material sobre o assunto e vale pesquisar para conhecer mais sobre tão importante símbolo municipal. Quando o museu contar com instalações mais adequadas, faço a sugestão para montarmos uma linha cronológica dos fatos e dos modelos dos brasões já utilizados para que os visitantes entendam e possam comparar as diferentes peças que lá estão.

Marília é uma das poucas cidades que conta com a Comissão de Registros Históricos instituída e nossas contribuições e observações são sempre no sentido de preservar a memória. Há sim um hiato entre as decisões e execuções de trabalhos que com o tempo podem ser corrigidos, fato que considero normal, como por exemplo, o ato municipal que mudou o nome da rua Alagoas para rua Paulo Corrêa de Lara, no entanto a placa de sinalização continua com o nome antigo. 
Engenheiro João Batista Meiler segurando o quadro que hoje
 faz parte do acervo do museu municipal


Ivan Evangelista Jr, pesquisador e membro da Comissão de Registros Históricos de Marília

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Tem franguinho na panela

Novo local: bancas na av. das Indústrias e na Sampaio Vidal 
Parece que a mudança do local da tradicional feira-livre de domingo foi positiva. Ao menos é o que parece quando contabilizamos o número de barracas e a variedade de opções e produtos que se pode encontrar neste espaço tão popular.
Antes, a conhecida “rua do rolo”, se restringia a uma extensão de pouco mais de 50 metros, se tanto, acomodando pequenos comerciantes de quinquilharias que se sempre encontram compradores certos. Hoje eles estão muito bem acomodados na Av. das Indústrias e as bancas se expandiram, existe maior oferta de produtos e melhor acomodação para os expositores. O espaço fácil para estacionamento dos veículos de transporte é um dos fatores deste crescimento, com a possibilidade de chegar mais próximo da banca os feirantes trazem equipamentos mais pesados e maior quantidade.
Tradicional vendedor de galinhas 
E a venda de galinhas continua fazendo sucesso. A dona de casa chega perto das gaiolas, avalia as aves, e pede para ver duas ou três. Segurando pelas pernas ela apalpa o peito, verifica debaixo das asas e depois faz uma criteriosa observação da crista. Este procedimento é uma tradição que vem dos tempos, passou de mãe para filha e se tornou um controle de qualidade. A asa tem que estar bem amarelinha, a crista, bem vermelha e saudável e o peito tem que ser carnudo. Garantia de uma panelada apetitosa.


Sapecando o frango (foto internet)
Duas formas de preparo: a de destroncar o pescoço, aquela que segura pelos pés e pua o pescoço da ave até estralar e depois deixa se debatendo até a morte, e a do corte do pescoço  podendo aparar ou não o sangue. Aparar o sangue? – Sim, depois de colhido em vasilha, segue uma pitada de sal e um pouco de cheiro-verde picado e será acrescentado ao molho quando o preparo estiver quase pronto. É o frango ao molho pardo, tradição da cozinha do interior.
Aves expostas em gaiolas
Em tempos de supermercados modernos e com bandejinhas cortes variados, tudo limpinho e higiênico, quase não se vê mais uma senhora das antigas fazer todo este ritual do estica e puxa, tira a pena, sapeca no fogo, tira os miúdos, sapeca no fogo e depois tempera para ir ao fogo. Aliás, mesmo antigamente tudo isto era feito antes da família levantar-se da cama e longe dos olhos das crianças que morriam de dó da galinha que sangrava ou se debatia no fundo do quintal. Um frango caipira nos dias atuais tem forte apelo gastronômico, mas poucos encaram na hora da refeição. Aqui em casa é assim, pode estar na mesa, acompanhado de uma polenta e de molho da melhor qualidade que não vai ganhar a preferência dos consumidores.



Caipira ao molho pardo (foto internet)
Mas tem muita gente que ainda consome o caipira na sua mais tradicional forma de preparo, prova disso é as duas bancas que ainda permanecem na feira, sempre levando mais aves para agradar os clientes. Tem domingo que chega a faltar e as encomendas já ficam agendadas para a próxima semana.

Ivan Evangelista Jr, Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília 

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A pendenga entre Bento de Abreu e Pereirinha

Parte do desenho geográfico das ruas da nossa querida Marília foi concebido pelo engenheiro dr. Durval de Menezes, projetado no sistema “Xadrez”, com ruas de largura de 16 metros e quarteirões de 100 por 100 metros, divididos em lotes de 40 metros, fato que levou a ser conhecido como “O Plano Xadrez”. O projeto do loteamento foi encomendado por Bento de Abreu Sampaio Vidal, ao engenheiro acima mencionado, a partir da compra da Fazenda Cincinatina, com o objetivo de estruturar o mapa dos lotes e iniciar as vendas.
Vale resgatar que antes deste episódio já estava instalado o loteamento do “Alto Cafezal”, sendo este de iniciativa dos pioneiros Pereira e Pereirinha. Consta dos registros históricos que havia um pensamento de dar continuidade ao traçado das ruas do novo loteamento, aproveitando as ruas já esboçadas ou existentes no Patrimônio dos Pereira.
Mas consta também que a necessidade maior era reservar área, no espigão, para a passagem da linha férrea, que vinha avançando desde a cidade de Piratininga, ou seja, preparar o terreno para a chegada do progresso puxado pelas locomotivas. 
Tem outro detalhe curioso na história - para dar continuidade ao traçado já existente, o engenheiro Durval de Menezes, batia as estacas como balizamento e ponto de origem do novo traçado, seguindo as ruas dos Pereira, porém, ato contínuo, os responsáveis pelo loteamento Alto Cafezal arrancavam as estacas e o serviço era perdido. Essa pendenga entre os Pereira e Bento de Abreu, foi motivo de carta do Sr. Bento de Abreu, relatando os fatos e pedindo providências do Sr. Pereira, segundo consta, carta que está exposta no Museu Municipal da cidade.


Diante do impasse e da imperiosa necessidade de continuidade dos trabalhos e ainda resguardar uma longitudinal para acolher os trilhos, o “casamento” dos projetos foi preterido e cada um seguiu o seu caminho. Daí, entre outras, a Rua Bahia, não ter continuidade com a Rua Cel. Galdino de Almeida, a rua Maranhão, terminar na Rua Sampaio Vidal, onde também começa a Rua Dom Pedro, e a Rua Nove de Julho, esta sim, ter a continuidade entre os dois lados, porém com uma bela curva bem na região central. 
Resposta sobre o assunto para um repórter 
No passado, trilhos no centro da cidade, sinônimo de progresso, no presente, na verdade desde 1960, trilhos e passagem de trens, de carga ou de passageiros, já significavam problemas das mais variadas ordens. Ao fazer uma pesquisa nos jornais de época encontramos várias notícias de atropelamentos com vítimas fatais, notas sobre a fila de espera prolongada dos veículos que circulavam pelas ruas. Explico.
Os trens de carga eram imensos e geralmente vinham carregados de grãos, de madeira ou de gado, oriundo da cidade de Panorama. Quando chegavam em Marília, era preciso fazer a manutenção, as manobras e a troca de locomotivas. Alguns destes comboios, fechavam, ao mesmo tempo, a passagem da Rua Nelson Spielmann, da Rua Paraná e da Rua Nove de Julho. Não havia como passar de um lado para outro, parava tudo, era um buzinaço só, pessoas irritadas, e alguns mais impacientes arriscavam a vida passando sob os vagões. 
Os primeiros cruzamentos eram sinalizados e protegidos por porteiras de madeira. No cruzamento da Nelson Spielmann, atrás do Matarazzo, ficava uma casinha de madeira na cor cinza, onde um vigia recebia o sinal telegráfico da passagem do trem pelo Distrito de Padre Nóbrega, e fechava a porteira para bloquear o trânsito de veículos. O mesmo acontecia nos cruzamentos seguintes, ou seja, tudo dependia da ação direta do homem, nada era automatizado.
Destas observações entendemos também o traçado de outras ruas, que começam quase que paralelas e acabam se encontrando. É o caso da Avenida Sampaio Vidal, que se encontra com a Rua São Luiz, da Rua Quatro de Abril (era aberta até o final), que se encontrava com a Sampaio Vidal, da Rua Bahia, com a Rua Goiás, da Rua Independência, com Rua Sargento Ananias, e de tantas outras. 
Há também varias ocorrências de ruas “sem saída”. Fiz um trabalho de pesquisa sobre estas ruas em Marília e me surpreendi com a quantidade existente.  
De 1924 a 1930, Marília entrou no mapa da migração atraindo gente vinda do Nordeste, somando número com os imigrantes japoneses, com os sírio libaneses, com os italianos e os portugueses, sendo estes últimos, os maiores trabalhadores na lida de serraria, produzindo tábuas, vigas e palanques para erguer as primeiras moradias. Andando pelas ruas da cidade, mesmo próximo ao centro, encontramos várias casas de madeiras. 
Conta a história que com uma só arrancada derrubaram mais de 12.000 alqueires de matas e plantaram, quase de um só fôlego, mais de vinte e quatro milhões de pés de café. Tem noção do que é gente trabalhando? Isto foi pelas bandas da Fazenda Ventania, hoje, nossa querida Nova Marília, o bairro mais populoso da cidade.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 17/05/2015

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Retratos de uma sociedade

Tenho certo receio de fazer estas incursões pelo campo da sociologia e da psicologia, pois sou ciente de que é preciso muito conhecimento para poder engendrar argumentações e comentários, sem cair no deslize das incoerências. Refiro-me a esta situação dos seres humanos que não conseguem viver na chamada sociedade organizada.
A cracolândia, na capital paulista, foi cenário recente de confronto que envolveu policiais, a guarda municipal, a população e os viciados, protagonistas de uma “nova” sociedade alternativa. Montam barracas improvisadas e, ali, passam o dia consumindo drogas, jogando conversa fora, “viajando” e vivendo na “terra do nunca”.
Para amenizar o impacto social, e também ambiental, devido ao lixo e ao odor fétido das necessidades básicas, feitas em locais inadequados, a prefeitura estabeleceu horários para lavar a calçada.
E olhem só que interessante. Eles, os alienados, assim chamados, levantam acampamento no horário estabelecido, aguardam a varrição e a lavagem e, depois, retornam com toda a tralha. Isto é sinal de que ainda resta um fio de esperança no caos, pois mesmo vivendo sob condições muito precárias aceitam a assepsia material para ter um mínimo de conforto.
Mas a tendência é só aumentar a população desses seres infelizes, neste caso, atraídos por um interesse comum, o de consumir drogas sem serem molestados. Como nos filmes futuristas, criaram um território neutro, uma zona franca, dentro da sociedade, supostamente organizada, onde são acolhidos para gerar mais lucros. Sim, sempre há os que ganham com a miséria humana, os que controlam o meio.
Toda vez que a polícia interfere neste ambiente surrealista, vira uma bagunça maior do que já está. O comando diz que tem que fazer alguma coisa para mostrar serviço, para dar uma resposta para a sociedade. Porém, diz aos seus comandados que tomem muito cuidado com a forma do fazer.
Se desandar a operação, não foi o comando quem mandou, o ônus fica por conta de quem estava lá, na ponta dos fatos. O problema é que conversa e conselhos, a curto prazo, não são eficazes.
Como moeda de mediação e troca, o comando oferece moradia, hotel pago e emprego, mais o acompanhamento da assistência social para que saiam desta condição de vulnerabilidade. Mas acaba sendo algo paliativo; os assistidos preferem as ruas, em vez alguns lençóis limpos e uns trocados por serviços prestados. Em pouco tempo, estão de volta.
O caso mais recente, do ator que interpretou o personagem Neguinho, no filme “Cidade de Deus”, mostra esta realidade. Foi descoberto como frequentador da cracolândia, vive numa luta constante contra a dependência química. Na entrevista que deu à Folha de São Paulo, disse: “Eles viraram minha família, porque não fui acolhido pela minha família de sangue”.
Aqui em Marília, nossa terra, Símbolo de Amor e Liberdade, não é diferente. Nossas cracolândias, por enquanto, estão restritas a algumas favelas ou pontos mais distantes da nossa vista. Estão mais próximas das biqueiras das drogas. Já tivemos uma ameaça, bem no centro da cidade, mais precisamente na antiga estação ferroviária, coibida a tempo, utilizando os caminhos permitidos pela lei, associados à limpeza e manutenção do local, o reforço na iluminação e o policiamento constante.
Mas estamos vivendo um outro movimento, os do sem teto, moradores de rua que se recusam a fazer parte de qualquer programa de reintegração social, como, por exemplo, o da Fumares – Fundação Mariliense de Recuperação. Eles não podem ser levados à força, não podem ser despachados para outras cidades, não podem ser presos, ao menos que cometam algum delito. Restam a conversa, o convencimento pela insistência da assistência.
São seres humanos que estabeleceram para si o mínimo do mínimo, a vida da unidade: um prato de comida ao dia, um corotinho de cachaça, um cobertor, geralmente fruto de doação da sociedade, e um lugar qualquer para dormir. Sem horários para cumprir, sem agenda, sem compromisso com nada e com ninguém, sem futuro, apenas o presente. É o tal do “Eu” profundo, tomando decisões que os levaram a optar por este tipo mísero de vida.
Ivan Evangelista Jr. é gestor de negócios com especialização em Marketing e Negócios Estratégicos pelo Univem. É chefe de gabinete e gerente de marketing da Fundação Eurípides/Univem, fotógrafo, articulista e pesquisador pela Comissão de Registros Históricos de Marília. Autor do primeiro Guia de Roteiros Turísticos de Marília.
Publicado na Revista D Marília, edição julho/agosto 2015