domingo, 20 de novembro de 2011

Os monumentos contam nossa história



Mesmo instalados em locais diversos à origem, mantêm viva a memória

O leitor já percebeu que, quando viajamos para outras cidades, nossos sentidos e a atenção ficam mais aguçados. Já percebeu que captamos muito mais informações do que costumeiramente o fazemos em nossa própria cidade? A explicação está no fato de que o novo atrai.
O novo desperta os sentidos. E isso nos deixa mais vigilantes, mais interessados em identificar a fonte de uma nova informação sensorial, seja ela olfativa, visual ou auditiva, fazendo o registro imediato.
Passar nas proximidades das indústrias Nestlé, da Dori, ou da Marilan, e sentir o aroma sempre agradável que os fornos exalam, de biscoito de coco ou de chocolate, de amendoim torrado ou de gominha colorida, por exemplo, para nós, marilienses, é algo comum. Ou seja, sentimos o aroma, mas o cérebro já tem mapeada a informação da origem e não damos tanta importância ao fato. Já com o visitante a reação é diferente.
Nas viagens, acontece o mesmo com os monumentos instalados em praças públicas. Ao passar na mineira Três Corações, a estátua em homenagem a Pelé chama a nossa atenção; na entrada da cidade de São Manuel, homenagem aos sertanejos Tonico e Tinoco; na cidade de Assis, lá no alto da avenida, uma bela escultura de São Francisco de Assis, feita de sucata reciclada.
Em Marília, tenho como referência neste assunto o monumento “Aos Pioneiros”, instalado na rotatória que fica entre a Avenida da Saudade e o acesso ao campus universitário. Mas, o que pouca gente sabe é que este monumento já foi mudado de lugar por várias vezes... e ainda continua em local errado. A explicação do fato está na obra “Marília, Marcos e Monumentos”, autoria do saudoso historiador Paulo Corrêa de Lara, primeira edição no ano de 1998.
O autor é o escultor Luiz Morrone, conforme descrito no livro: “O monumento que representa em tamanho natural, um casal de lavradores, ele com a mão em pala vislumbrando o horizonte mariliense, com um filho agarrado à sua perna esquerda, e ela carregando ao colo outro filho pequenino. Colocado sob um pedestal de dois metros de altura, contém uma placa de bronze com os dizeres: 'Aos pioneiros - Rasgando as matas virgens, abrindo clareiras e criando searas, os pioneiros são dignos de respeito e por nos legarem esta usina de progresso, nesta homenagem vimos perpetuar a justa gratidão aos marilienses. Theobaldo de Oliveira Lyrio. Prefeito Municipal'.
Na outra face lateral, outra placa de bronze, com os dizeres: ‘Ao Fundador, neste local, para ter a posse da terra, em 1915, Cincinato Braga, fez plantar dez mil pés de café. Em 1923, Antonio Pereira da Silva, desbravador de sertões, adquiriu e loteou, nas cabeceiras do Pombo, uma gleba de 50 alqueires. Assim nasceu o Alto Cafezal, hoje Marília’”. E continua: "Uma das faces laterais contém uma placa de bronze, em alto relevo, representando a Agricultura, e, na outra face lateral, outra placa também de bronze representando, em alto relevo, um lavrador guiando um arado, puxado por uma junta de bois.
O Monumento ‘Aos Pioneiros’ foi inaugurado pelo Prefeito Octávio Barreto Prado em 4 de abril de 1962, por ocasião das comemorações do aniversário de Marília. Fizeram-se presentes àquela solenidade o então presidente da República João Baptista Goulart (Jango Goulart), o governador do Estado Adhemar de Barros e outras autoridades, inclusive o prof. Balthazar de Godoy Moreira, antigo diretor do 1º Grupo Escolar de Marília e inspetor aposentado, autor do primeiro livro de história de Marília, ‘Marília Cidade Nova e Bonita’".
Voltando à questão da localização correta do monumento, o autor Paulo Lara sempre defendeu que o mesmo deveria estar nas proximidades da Santa Casa de Misericórdia de Marília, visto que a picada de mata, que abriu as terras para as primeiras propriedades rurais, foi obra do Coronel Francisco Ferraz de Sales, num total de 147 km, saindo de Presidente Pena, hoje Cafelândia, até Platina. Este mesmo picadão tornou-se estrada, permitindo a entrada nas terras do Espigão “Peixe Feio”, os dois rios de maior referência geográfica para a nossa região.
O leitor deve notar que, além desta informação muito relevante, mais acima, já mencionamos os dizeres de uma das placas sobre o registro do fato de Cincinato Braga, plantar “neste local”, dez mil pés de café, isto no ano de 1915. Ou seja, não o fez na região onde hoje está o cemitério, e sim na região da Santa Casa, tanto que a rua Cincinatina é o limite entre a propriedade da Fazenda Cascata com o bairro Maria Isabel.
Salvo engano, o monumento “Aos Pioneiros” já esteve plantado na rotatória localizada na confluência das ruas 9 de Julho, Vicente Ferreira e Av. Cascata, voltado para onde hoje está o centro comercial da cidade, corroborando o gesto típico de quem estende a visão até onde a vista alcança, sonhando com as ruas e o comércio de uma nova cidade, a cidade ‘Símbolo de Amor e Liberdade’.
Em tempos de Google e de Geo Cidades, de máquinas fotográficas e celulares com recursos tecnológicos de georeferência, seria muito bom poder corrigir este engano histórico e voltar com o monumento ao seu devido lugar. Nem sempre a solução estética contempla o historicamente correto. Tendo em vista o “ajuntamento” de marcos e monumentos que temos nos fundos da Biblioteca e do Teatro Municipal... mas este é assunto para uma próxima edição. Se não cuidarmos da história, perderemos as nossas referências culturais e a memória.
Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Artigo Publicado no Jonal Diário de Marília, coluna Raízes, em 20/11/2011



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Marília navegando em altos mares

Navio MARILIA ancorado

Corredeira do Marimbondo - Rio do Peixe

Se hoje falta água, em tempos idos a cidade esbanjava
Ao rever a história da cidade, lá nos tempos da sua fundação, nos deparamos com os mapas cartográficos em que as principais referências geográficas são os rios e córregos da região. Era comum apontar que tal trecho de terra se delimitava pela distância de tantos metros do Córrego da Formiga, ao norte, mais tantos metros da água da Coruja, ao sul, e assim por diante, até que o quadrilátero referencial estivesse traçado.
Os batismos dos rios, na maioria, foram surgindo da criatividade dos desbravadores que, ao adentrarem a mata para abrir as picadas, depois de instalados os acampamentos em determinadas regiões, iam se familiarizando com as peculiaridades do entorno. Os nomes surgiam naturalmente neste universo do folclore caboclo.
Nesta hidrografia referencial, o Rio do Peixe sempre foi a espinha dorsal da região. Devido à importância da água para a agricultura e para o desenvolvimento, esse rio foi o grande responsável pelo surgimento de mais de 80 municípios. Vale lembrar que as incursões exploratórias se serviam do transporte de barcos e o Peixe sempre foi excelente opção de via de acesso.
Quem passa pelas margens das rodovias hoje e observa o seu leito, não tem a mínima noção da potência das águas deste rio. As corredeiras intensas colocavam em risco a vida dos mateiros que tinham a missão de abrir as picadas e estabelecer marcos para outros grupos que viriam abrir os loteamentos de terra, a mando do governo.
Dos afluentes do Peixe, podemos mencionar alguns córregos que são, até hoje, a referência de localização de moradia para os pequenos agricultores que ainda resistem à crescente entrada da cultura extensiva da cana de açúcar, que já rodeia Marília. São eles: Água do Barbosa, Três Lagoas, Córrego do Arrependido, que hoje é fonte de água potável para a cidade, Córrego da Fortuna, Água Mumbuca, Córrego do Pombo, Córrego do Jatobá, Água da Coruja e tantos outros.
Mas, o que pouca gente sabe é que esta ligação da história da cidade com a hidrografia chegou longe, bem mais longe do que se pensava um dia. Marília já foi nome de batismo de um navio mercante, de propriedade da empresa Ishikawajima do Brasil Estaleiros S/A. Na época, o prefeito Octávio Barreto Prado já mantinha bons relacionamentos com o governo estadual e Marília contava com grande número de agricultores e trabalhadores japoneses, nas lavouras do algodão, do café, do arroz, entre outras.
Por isso, a empresa japonesa decidiu prestar esta homenagem ao povo mariliense. O navio cargueiro MARÍLIA, foi o quarto navio de uma série de cinco unidades encomendados ao Estaleiro Ishikawajima, sendo a primeira classe de navios a serem construídos pelo estaleiro. A iniciativa foi da Comissão de Marinha Mercante Brasileira, órgão estatal que gerenciava a Marinha Mercante Nacional.
O fato ocorreu no ano de 1962, no mês do aniversário da cidade, e o lançamento do poderoso navio nas águas do oceano Atlântico ocorreu no Porto Naval do Rio de Janeiro, no estaleiro da Ponta do Caju. Foi assim que o nome da nossa cidade estampou a quilha de um belo navio mercante, levando para águas mais distantes a saga de um povo desbravador das terras da Alta Paulista.
Naquele capítulo da história, orgulhosamente, nosso querido prefeito Tatá bateu a garrafa de champanhe no casco da grande embarcação, batizando-o com o nome de Marília, e assim liberou suas amarras para ganhar outros mares.
Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos da Câmara Municipal e Cidade de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 06/11, coluna Raízes