quinta-feira, 24 de março de 2022

Histórias do Café e a Região Turística do Alto Cafezal #rtaltocafezal

No mapa turístico do estado de São Paulo a região que compreende as cidades de Garça, Gália, Marília, Lupércio, entre outras, é denominada de “Alto Cafezal – A história do estado entre um café e outro.” Na introdução do site oficial do governo do estado de São Paulo encontramos a seguinte descrição: ... A Região Turística do Alto Cafezal conta um pouco da história do desenvolvimento econômico do estado de São Paulo e do começo da modernização e industrialização do agronegócio brasileiro a partir do café – principal produto de exportação do País no século XIX e boa parte do XX. Apesar da chegada tardia de cafeicultores na região, foi lá que a produção se modernizou e encontrou terreno fértil para a automatização dos processos. Na região de Garça foi testada a primeira colhedora automática de café do mundo, em 1979, além de inovações importantes como o plantio de mudas em tubetes.O passado histórico cafeicultor ainda é presente e, além das grandes cooperativas que são referência no País, há forte presença de produtores independentes que apostam na torra dos próprios grãos e em lotes menores de alta qualidade. (https://www.turismo.sp.gov.br/conheca-a-regiao-turistica-alto-cafezal)

Como presidente do Comtur – Conselho Municipal de Turismo de Marília, historiador e pesquisador, sou membro de um grupo coordenado pela Fernanda Violante, secretária adjunta da Secretaria Municipal de Trabalho e Turismo de Marília e interlocutora regional da RT Alto Cafezal, que reúne voluntários e funcionários das administrações e secretarias municipais das cidades integrantes da rota do café. A missão deste grupo é promover a maior integração entre os municípios da região turística, assim como, a troca de informações e experiências que possam incrementar as atividades e dar maior corpo e exposição ao conjunto dos atrativos turísticos.

O interior paulista é rico em recursos naturais e tem na história da cafeicultura sua maior contribuição para o desenvolvimento econômico do Brasil, principalmente no período entre 1930 a 1970. Fazendas guardam construções, tulhas, secadores e terreiros com seus trilhos, guardam equipamentos rústicos que serviram ao trabalho duro do plantio, da colheita, da secagem, até o embarque na ferrovia rumo ao Porto de Santos. Estes locais são templos históricos, memória viva de um ciclo produtivo que foi denominado ciclo do ouro verde.

Com esta visão estamos propondo aos municípios que promovam um levantamento geral das propriedades que abrigam estas memórias e que sejam passíveis de visitação dentro de um período médio e longo prazo. A cidade de Garça fez um trabalho muito bom de pesquisa em que levantou e registrou dados de mais de 200 propriedades. São sítios e fazendas que poderão integrar a rota do turismo rural, outro segmento do turismo de lazer que proporciona aos visitantes a experiência de contato com a natureza, contato com núcleos familiares produtivos e o aprendizado de saberes da cultura caipira.

Rui Bonini, agrônomo e produtor de café

O gostoso de participar deste processo de autodescoberta, sim, porque a nossa identidade cultural passa pelas histórias do café, é resgatar histórias e personagens que são testemunhos de todo este movimento. 
E nesta jornada eu tive a felicidade de encontrar um dos personagens ilustres que participou de tudo isso, e reconhecido como um dos agentes de transformação do sistema de cultivo de café nesta região paulista. Visitei a Fazenda São Carlos, propriedade do Sr. Rui Bonini, agricultor formado pela Escola Luiz de Queiroz e que conta com seus 86 anos de vida dedicada à cafeicultura brasileira. 


Rui Bonini contemplando o terreirão  

Entrevistar e ouvir o Sr. Rui foi um momento de imersão na história e de resgate de memórias que precisam ser sempre compartilhadas para que mais pessoas conheçam sobre a cultura do café e seus personagens. 

Gravei uma série de vídeos em que ele respondeu perguntas e nos contou detalhes sobre sua família e a saga com o café. Fomos recebidos na casa sede da fazenda, residência muito agradável que já teve 22 moradores, coisa bem típica de famílias de imigrantes, construção com pé direito perto dos quatro metros de altura, quartos com assoalho de madeira nobre, guarda roupa e móveis de época, outras dependências com piso cerâmico rústico e sala de visitas com quadros e fotos da árvore genealógica e documentos históricos.

Registro da primeira colheita na fazenda
Registro da 1ª colheita na fazenda

Ele nos contou, por exemplo, que intermediou e participou dos primeiros testes da colheita mecanizada e, com merecedor orgulho, nos disse que o seu maior legado é ter sido um dos agentes no processo de modernização da cultura cafeeira, desde a mudança para o plantio linear, a transição e a experiência de trabalhar com 3 mudas por cova, para 2 mudas e depois para o modelo atual onde se planta apenas uma muda, já com toda a tecnologia e vitalidade que a planta precisa para em um período de três anos dar os primeiros frutos.


Um detalhe importante é que toda a plantação atual é toda irrigada, isto mesmo, os pés de café recebem a quantidade de água necessária, o que resolveu o problema da dependência das chuvas, por sinal, bastante escassas nestes últimos três anos. Toda a colheita é mecanizada e num curto período, com a colaboração de 23 pessoas, os grãos maduros são trazidos da roça para o terreiro, e depois para os secadores para o posterior ensacamento. Não passa de vinte e poucos dias este ciclo.



Se este pequeno relato já nos dá uma pequena noção sobre a riqueza histórica e cultural, imagine poder passar um dia na fazenda, visitar as instalações, visitar a lavoura, beber do café in natura e ouvir o Sr. Rui Bonini e a Sra. Leila, esposa e companheira, contando mais sobre as nossas raízes. É justamente essa a essência do turismo rural.

Garça e Marília já contam com o Conselho Municipal de Turismo e a cidade de Vera Cruz está se preparando para formar a sua própria entidade e dar um passo muito importante para integrar o mapa do turismo paulista.


E já que o assunto é café, anote aí: nos dias 21 e 22 de maio acontecerá a Festa Joias de Vera Cruz – Festival do Café. É a segunda edição do evento que reúne atividades de lazer, música, cultura e gastronomia regional. O desafio para este ano é que todas as barracas que vão comercializar alimentos devem fazer constar do cardápio pelo menos um prato que tenha o café como ingrediente. Podemos nos preparar porque a festa promete.


Não é de hoje que a região trabalha na valorização da nossa identidade cultural. Na 1ª edição do Festival Gastronômico de Marília (2013), o restaurante 515 criou um prato especial que foi denominado “Medalhão Matarazzo”. Referência as indústrias Matarazzo. A receita era composta por medalhão de filé bovino, regado ao molho de café, acompanhado de batatas rústicas ao alecrim, tomates cereja e arroz cremoso.
#altocafezal ;rtaltocafezal  

Ivan Evangelista Jr, é presidente do Conselho Municipal de Turismo de Marília, membro da Comissão de Registros Históricos, pesquisador, fotografo e historiador, autor do primeiro Guia de Roteiros Turísticos de Marília.

sexta-feira, 11 de março de 2022

Marília, terra de oportunidades e bons negócios

 O ano é 1997 e os primeiros dekasseguis que deixaram o Brasil começavam a retornar. Para se ter uma ideia, a cada ano, o grupo de brasileiros que trabalhava lá no Japão poupava em torno de 4 bilhões de dólares e grande parte desejava voltar e se estabelecer. Mas o que fazer, onde, como, será que daria certo?

O balcão de atendimentos do Sebrae/SP era a primeira indicação de contato para quem trazia na mala esperança e muita grana. Tudo que eles mais precisavam era uma orientação segura sobre como investir em uma nova atividade que lhes desse a oportunidade de serem donos do próprio negócio e não precisar deixar a família novamente.

Reprodução foto da revista

O Sebrae Marília se tornou referência nas consultorias e se constituiu na única regional da entidade no Brasil que mantinha um programa de orientação aos dekasseguis.

Com a importante participação da equipe de colegas da regional mapeamos negócios e oportunidades que se tornavam boas opções de investimentos e, assim, o fluxo de atendimentos ganhou visibilidade nacional.

Todo o dinheiro dos trabalhadores era canalizado para o Banco do Brasil, condição da política governamental vigente sobre recebimentos e transferências de valores para o Brasil. Neste mesmo período eu tive outra experiência muito bacana que foi ajudar a montar a estrutura do Balcão Sebrae na agência do banco e cidade de Tóquio. Ajudei no treinamento e capacitação de uma colega atendente japonesa que dominava o idioma português. As relações de Marília com o Japão e toda a história do nosso desenvolvimento, desde as primeiras lavouras de algodão com a chegada dos primeiros imigrantes foram conexões que contribuíram muito para este processo de integração.   

Antes de voltar eles já podiam sondar as oportunidades e o intercâmbio de informações foi muito produtivo. Aqui em Marília ficou uma espécie de central de atendimentos e os demais escritórios do estado enviavam informações sobre oportunidades de negócios nas suas regiões. Tudo era encaminhado para Tóquio e desta forma já era possível uma visão antecipada para tomadas de decisões futuras.


Esta história foi contada em detalhes pela Revista Japão Aqui e mostrou a saga dos brasileiros no exterior e o destino das fortunas. Marília ganhou destaque nacional porque concentrava boa parte dos primeiros descendentes ou cônjuges de japoneses que tomaram destino aos empregos no Oriente. Aqui na cidade várias agências recrutavam trabalhadores e ainda hoje algumas delas continuam atuando.  

Foi um período em que os aluguéis de imóveis para negócios na área central dispararam nos preços, igualmente, a cobrança por “pontos comerciais” que muitas vezes nem eram tão bem localizados. Lei da oferta e da procura.

A foto acima tem um banner que ficava bem na entrada do escritório e no mapa estadual, valorizando a posição geográfica privilegiada e a distância com outros grandes centros. Tivéssemos naquele momento histórico os cursos que hoje trabalhamos na Trilha do Empreendedorismo (Primeiros Passos, Organize seu Negócio, Descomplique seu Negócio)   fariam o maior sucesso.

Isto nos  mostra o quanto o Sebrae é comprometido com o empreendedor brasileiro e mantém constância de atualização e visão para acompanhar todo o movimento dos negócios em nível nacional e internacional.


Mais recente, vimos e acompanhamos em tempo real a participação do empresário mariliense Marcelo Mantelli na Expo Dubai e Gulfood. A feira apresentou um espaço muito interessante e que ilustra bem o seu principal objetivo – The Opportunity Pavilion, Mission Possible.

É por essas e por tantas outras razões que nos mantemos no radar dos investidores. Marília desde o início da sua história sempre foi terra de bons investimentos e de novos negócios.


E aí, gostou de saber destas histórias? Passe no escritório Sebrae e faça sua inscrição para o próximo curso de capacitação empresarial. Com o certificado em mãos você já poderá solicitar o seu primeiro empréstimo no Banco do Povo e ganhar aquela força para transformar seu sonho em realidade. A hora é agora.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Café, pujança e desenvolvimento na Alta Paulista

 Plantadas as primeiras glebas de café na região de Marília foi preciso investir em outras culturas para aguardar o período de produção dos frutos. No conhecimento popular são as chamadas culturas intermediárias que ajudam no sustento das famílias até a primeira colheita.


O algodão foi a lavoura que mais cresceu nos primórdios da cidade e isto levou a construção das primeiras máquinas de beneficiamento de algodão que ocuparam as ruas da cidade menina. O Zillo e a Matarazzo foram as principais indústrias de transformação dos caroços da pluma branca.

Parte deste patrimônio histórico ainda faz parte do contexto urbano. Ao caminhar pelas ruas da cidade podemos observar prédios que movimentaram a economia local. Nas ruas adjacentes se enfileiravam os caminhões com as cargas vindas das lavouras aguardando a vez da descarga que muitas vezes adentravam a noite.


O maior conjunto de prédios históricos está na avenida das Indústrias, hoje, sede dos órgãos Poupa Tempo, Ganha Tempo e parte da garagem do corpo de bombeiros. Logo na frente, do outro lado, na av. Sampaio Vidal outro prédio que integra o roteiro do café.  

Na rua Duque de Caxias, fechada há muitos anos, com o letreiro desbotado teimando em aparecer está a Máquina Montolar, na Rua Bahia e na rua Paraná mais prédios se avizinham da malha ferroviária desativada que corta a cidade no sentido norte – sul. Interessante verificar que as arquiteturas são bem semelhantes o que pode indicar que seria um modelo de construção rápida e que atendia as necessidades.




Famílias e máquinas beneficiadoras de café em Marília

Proprietários: José Froio, Irmãos Buffulim, Aspertti, Sotero de Camargo Barbosa, Mazioti& Queilles, Francisco Martins Junior, Santa Helena de irmãos Maldonado, Francisco Angelo Montolar.

*O Matarazzo chegou a fazer óleo de café, comprava os grãos do Instituto Brasileiro do Café.

Uma multidão de trabalhadores

Os caminhões encostavam a traseira no batedor, nome dado a prancha de madeira instalada rente as bordas das portas dos barracões. Dali em diante entravam em ação os saqueiros, trabalhadores braçais que descarregavam e empilhavam as cargas. Quase nus, vestindo apenas um calção confeccionado com tecido de sacaria de açúcar, trabalhavam até a exaustão porque o ganho era por caminhão descarregado. Na cabeça toucas improvisadas com metades de bolas de capotão (antigas bolas de futebol), ajudavam a proteger o couro cabeludo.

Lá dentro a esteira corria célere e as mãos das catadeiras igualmente ágeis retiravam os grãos imperfeitos, gravetos e pedras, ç. Subiam a esteira e eram despejados nas entranhas da grande máquina que fazia seleção dos grãos. Espessa nuvem de poeira cobria todo o recinto, poeira que se misturava ao suor abundante e grudava nos corpos, um lenço ou pano fino umedecido amarrado no rosto ajudava, ainda que toscamente, a filtrar o ar sempre difícil de se respirar.

Um detalhe da aparência das catadoras era a sobreposição de peças, vestiam geralmente calças compridas cobertas com duas ou mais saias, blusas sobrepostas e um turbante na cabeça em forma de cone para proteger os cabelos. Era uma forma de proteger o corpo da poeira, da terra das lavouras trazidas em cada uma das sacas.

O Edifício Ouro Verde, um marco do ciclo cafeeiro.  


Construído em 1952, o edifício Ouro Verde, – localizado na avenida Sampaio Vidal, próximo à esquina com rua Dom Pedro, é o primeiro prédio de escritórios construído em Marília, conta com 25 salas e ainda conserva elevador da época com destaques e arremates alusivos a lavoura cafeeira.

A idealização e construção foi do pioneiro Jupira Souto, nascido em Conquista, Estado de Minas Gerais em 13 de julho de 1911 que veio para Marília com seus pais no ano de 1927.


Muito ativo dedicou-se ao comércio de compra e venda de arroz e depois ao comércio de café beneficiado, trabalhando para várias firmas de Santos, conquistando assim a sua independência financeira. De 1944 a 1950 assumiu a gerência da Cooperativa Banco de Marília Ltda, período em que realizou a construção do Edifício “Ouro Verde”, cujos escritórios vendeu em menos de oito dias.

Foi comprador de café para a Sociedade Brasileira do Nordeste Brasileiro (SANBRA) e proprietário da Fazenda Santa Mariana, localizada entre Lácio e Vera Cruz. (Fonte: Paulo Corrêa de Lara - Comissão de Registros Históricos, Jornal do Comércio de 05/12/91).

Na mesma época, Souto construiu prédios similares em Garça e em Lins.

*As fotos das fazendas são do livro "Homenagens prestadas ao deputado Bento de Abreu Sampaio Vidal, em 23 de maio de 1937.

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