domingo, 12 de outubro de 2014

Rua José Alfredo de Almeida


É gostoso visitar locais da cidade que ainda guardam a poesia da história, recantos especiais, por onde caminhamos. Parece que as reminiscências, guardadas na cortina do tempo, vão surgindo das sombras das árvores, das esquinas, dos jardins e dos portões, invadindo a nossa mente e gerando emoções muito saudáveis.
Um deles é o bosque municipal, rico em diversidade da flora característica da Mata Atlântica, o que torna os passeios por lá sempre mais agradáveis do que qualquer caminhada em pista urbana planejada. No bosque, a vida é verde... e, se for pela manhã, então, melhor ainda, vez que aos primeiros raios de sol a mata começa o processo da fotossíntese.
O leitor sabia que tem prefeitura no exterior que comprou um grande tronco de árvore, providenciou a sua devida instalação em uma espécie de estufa de vidro, criou um ecossistema controlado, com chuvas artificiais regradas e controle de incidência de raios solares, estimulou o crescimento de fungos e arbustos menores, e agora cobra ingresso das pessoas, que pagam para respirar, conversar, ouvir música e ter momentos de boa leitura dentro desta biodiversidade instalada no meio urbano? Pois é, meus amigos, aqui, a gente ainda tem tudo isso com acesso livre.
Cantina Mamma Mia
A Rua José Alfredo de Almeida, ilustre bisavô do atual prefeito, é outro recanto que merece a nossa visita com o olhar da sustentabilidade. Tradicional entrada da Fazenda Bonfim, ainda guarda parte da história num dos casarões da família Almeida, que desde 1990 abriga a Cantina Mamma Mia, restaurante típico italiano. No passado, depois do expediente noturno, entre uma taça de vinho e outra, tive a felicidade de compartilhar bons papos com o saudoso amigo Dô Cerqueira Cesar. Ele contava, feliz, passagens das brincadeiras de crianças no terreiro, da cozinha da família, sempre farta e generosa, casa cheia de amigos e visitantes, e do quarto no sótão, que ainda existe.
Depois, nos sentávamos numa mesinha bem aconchegante, pertinho do pé da escada, e ali saboreávamos um prato de Brodo, polvilhado com queijo parmesão ralado. Madonna mia! Boa comida e boas amizades sempre fizeram muito bem à alma.
Na visita à rua, não deixe de conhecer o majestoso pé de eucalipto, que tem placa de tombamento pela prefeitura, por motivo da localização e do porte, ganhando assim a condição permanente de preservação. Ao lado da grande árvore, está a entrada do condomínio “Quinta do Bonfim”. Foi ali que flagrei, no momento da visita, uma senhora bem idosa e muito simpática, e sua gentil acompanhante, saboreando jabuticabas de mão e boca cheias. Pensei: será que a senhora em questão é membro da família Almeida? Pareciam duas crianças.
Vi também que no jardim tem um pé de cuia (cuité), conhecida popularmente como cabaça. Depois de tratada, era transformada pelos índios e caboclos em utensílio de cozinha. Sobre a espécie, alguém já escreveu: “Apeou do cavalo, passou a mão na corda e puxou o balde do poço, de onde tirou e bebeu uma cuia de água fresca para matar a sede.”
Pé de Cuia
     
José Alfredo de Almeida (Zezé de Almeida) é filho do Coronel Galdino Alfredo de Almeida e Olívia Cândida de Almeida. Teve os filhos Gustavo Prudente, Fernando José, José Alfredo e Maria Carolina. Veio para Marília na década de 20, quando seu pai, e o amigo Cel. José da Silva Nogueira (José Braz), adquiriram a Fazenda Bonfim e o loteamento denominado Vila Barbosa, encarregando-se do serviço de venda de lotes.
Já na década de 30, juntamente com seu cunhado, o Dr. José da Cunha Júnior, fundou a Casa Bancária “Almeida & Cia.”, que alguns anos depois foi transformada em Banco Brasileiro de Descontos S/A, o Bradesco. Mudou-se para São Paulo e, no governo de Adhemar de Barros, assumiu a presidência da Vasp (Viação Aérea São Paulo). Fundou na capital a Aerovias Brasil, que depois foi incorporada à Vasp.
Passeio ao sol da manhã e jabuticabas
Com espírito empreendedor e visão futurista, era pessoa de assumir desafios e foi assim que, na década de 30, ocupou a Prefeitura Municipal de Marília, no impedimento do então prefeito João Neves Camargo (26 de fevereiro a 5 de maio de 1936), quando, segundo a história registrada, adquiriu o prédio de máquinas de café e arroz da firma Quilles & Cia, local onde foi construído o Ginásio Municipal, e, mais adiante no tempo, a instalação da Biblioteca “João Mesquita Valença” e a Secretaria da Cultura.
Zezé de Almeida muito cooperou para a vinda a Marília das Faculdades de Filosofia, de Medicina e, também das Faculdades da Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, quando vendeu à Prefeitura de Marília, por preço simbólico, os terrenos destinados à instalação das faculdades, hoje o Campus Universitário.
Entre os inúmeros cargos ocupados, foi diretor da Companhia Urano de Capitalização e Casa Comissária Souza Dantas Forbes; tesoureiro da benemérita campanha Pró Monumento Monteiro Lobato, diretor de Imóveis e Investimentos Almeida & Barros e presidente da Cia. São Paulo de Investimentos Gerais. Faleceu em Marília em 30 de janeiro de 1971.
Digo que, pela exuberância das árvores, o cuidado dos jardins e a tranquilidade que reina na via, merecia ter o nome Alameda José Alfredo de Almeida.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 12/10/2014

Os inconfidentes em Marília, acaso ou causalidade?

Na produção destes artigos semanais, sigo algumas rotinas que ajudam a compor o resultado final. A rua que será o alvo da próxima publicação pode surgir por vários caminhos: sugestão de amigos mais próximos, sugestão dos leitores, encontros casuais ou a simples observação urbana, a paisagem, os prédios históricos, uma árvore ou jardim diferente... e a inspiração vem em seguida.
O passo seguinte é buscar os arquivos da Comissão de Registros Históricos e da Câmara Municipal de Marília, sempre contando com a colaboração e simpatia dos amigos Wilza Matos e Paulo Colombera. Levantamos leis e outros documentos arquivados, que sempre ajudam a produzir informações curiosas sobre a via, resgatando datas e personagens que participaram da história. Percebemos que, uma vez o fio da meada puxado, seguindo os rastros históricos, identificamos o autor da propositura, as justificativas da indicação, período e o nome do prefeito em cuja gestão aconteceu a indicação e mais alguns dados.
Quando o assunto é coletivo, como foi o caso das ruas que receberam nomes indígenas, chegamos aos mesmos personagens, porém, sempre fica uma pergunta: por que um determinado conjunto de ruas de um bairro recebeu do seu criador nomes que estão relacionados àquela temática? Exemplos práticos: o que inspirou o idealizador da Vila Jardim a colocar nomes de flores nas ruas? No bairro Aquarius, seria o lago o centro da inspiração para que as ruas tenham nomes de peixes? Sabemos também que foi o livro ‘Marília de Dirceu’, de Tomaz Antonio Gonzaga, que inspirou Bento de Abreu na escolha do nome da cidade.
Pois bem. Conjecturas à parte, num destes diálogos com a colega Wilza, ela me fez a sugestão para escrever sobre as ruas que têm nomes de personagens e poetas ligados ao episódio histórico da Inconfidência Mineira. São eles: Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto e Tomaz Antonio Gonzaga.  Estas ruas estão localizadas no bairro Cascata, e a curiosidade sobre o assunto não para por aí não. Tem ainda a Rua 21 de Abril, em homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado nesta data, por envolvimento nos episódios de organização de ações com vistas à Independência do Brasil, sendo que esta via é transversal a todas as demais.
E aí o cenário se completa quando nos dirigimos no sentido bairro-centro. Depois de passar por todas elas, chegamos à Rua da Liberdade. Diga-me, leitor amigo, seria casualidade ou causalidade? É certo que a segunda opção é a mais correta; tudo foi muito bem pensado. Tem história por detrás da própria história, tem recados e pistas que podemos seguir, descobrindo nossa cidade com outros olhos e olhares.

Praça Tiradentes - Ouro Preto
Tive a alegria de conhecer as cidades históricas, visitei museus e centros culturais onde estes nomes surgem a todo momento e são literalmente reverenciados, visitei a cela onde Tiradentes passou seus últimos dias, assim como, na mesma oportunidade, ouvi pelas bandas mineiras a história de que foi um vizinho seu de cela, um personagem desconhecido, o enforcado e esquartejado no lugar de Tiradentes, enquanto ele teria sido levado para outro local, acobertado em carroça de lenha e capim. E completou o relator anônimo: “Coisa da maçonaria da época, que era muito influente e conseguiu mexer os pauzinhos para privar sua vida”.
Claudio Manoel da Costa foi advogado, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e amigo do Aleijadinho, a quem teria possibilitado o acesso às bibliotecas clandestinas na época dos fatos. Há quem afirme ter tido ligações com os illuminatti, sociedade secreta de cunho iluminista, que teria influenciado várias revoluções. Morreu em circunstâncias obscuras, em Vila Rica, em 4/07/1789. Oficialmente, teria cometido suicídio por enforcamento na prisão.
Inácio José de Alvarenga Peixoto, advogado, também adepto do iluminismo, assim que denunciado, preso e julgado, foi deportado para Angola, onde faleceu. Investiu boa parte de suas finanças para a abertura de um canal de cerca de 30 quilômetros para abranger as melhores minas de ouro do arraial, período em que se envolveu com dívidas e impostos não recolhidos.

Interior da casa de Gonzaga 
Tomaz Antonio Gonzaga, por sua vez, é personagem muito conhecido de todos nós marilienses e tem envolvimento direto na história da cidade. Visitei a edificação onde ele morou em Ouro Preto, pisei na mesma varanda de onde ele avistava sua musa inspiradora, lá na baixada, entre os casarões e vielas. Me senti literalmente em casa, degustei cada detalhe da história viva, sentei-me no mesmo jardim que tem a montanha aos fundos, local onde certamente a inspiração o consumiu para escrever seus poemas. Acusado de conspiração e preso em 1789, cumpriu pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras-RJ, tendo seus bens confiscados. Em 1792, sua pena foi comutada em degredo e, a pedido pessoal de Maria Isabel, o poeta foi enviado à costa oriental da África, para cumprir em Moçambique a pena de dez anos de exílio. No mesmo ano, foi lançada em Lisboa a primeira parte de “Marília de Dirceu”, com 33 liras. Novamente, a história busca a figura simbólica da maçonaria para justificar o lançamento da obra, uma vez que o autor estava em outro continente.
Caminhei novamente pelas ruas aqui mencionadas, agora não mais como simples transeunte, e sim como cidadão, ciente da grande contribuição destes ilustres personagens à liberdade da nação.
Fica a sugestão para as queridas professoras. Numa próxima aula sobre os inconfidentes, após os alunos tomarem posse do conhecimento histórico compartilhado em sala, que tal levá-los para caminhar por estas ruas e aproveitar o sol da manhã?

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 05/10/2014

A Rua 16 de Setembro

Venho notando que os nossos encontros dominicais estão sendo muito produtivos, tanto para o autor destas crônicas, como para os leitores amigos. É sempre bom mergulhar no tempo, conhecer-se melhor, saber das nossas raízes e das histórias que permeiam ruas e bairros da nossa querida cidade.
Já comentei em outra oportunidade que há pessoas que passam metade da vida, ou até mesmo a vida toda, morando em um determinado endereço, sem nunca se preocupar em saber mais sobre um dos seus principais referenciais de vida. Já perceberam que, na maioria dos nossos contatos, nos contratos, nas compras ou cadastros, o nome da rua em que moramos é sempre solicitado?
Ainda bem que as escolas estão trabalhando o tema com os alunos. Assim, a identidade de cidadania, do pertencer ao meio, vai crescendo na mesma proporção que a cidade. Contar a história para os jovens e as crianças é compartilhar valores, é  incutir o sentimento do respeito e da cidadania. Digo isso porque me entristece muito ver as pichações em patrimônios públicos ou nas fachadas do comércio e das residências.
 E, por solicitação de um amigo, lá fomos nós em busca das origens da Rua 16 de Setembro, localizada em frente ao Tiro de Guerra, no bairro Palmital, prolongamento. Mais uma vez, encontramos na história as mãos do  benfeitor Bento de Abreu Sampaio Vidal Filho. Segundo a Lei nº 915, de 6 dezembro de 1960, na gestão do prefeito Octávio Barreto Prado, por meio de doação pura e simples, Bento de Abreu e outros cederam área para o prolongamento do bairro, nos chamados subúrbios da cidade.
Um  parêntesis: "Originalmente, existiam os burgos, que eram as áreas dentro dos muros das cidades, as áreas fora dos muros passaram a ser conhecidas como subúrbios. Com o fim das cidades cercadas de muros, a área conhecida como subúrbio passou a ser a periferia dos centros urbanos”.
Na primeira edição, a Rua 16 de Setembro aparece com 14 metros de largura e 214,32 metros de extensão, a partir da Rua Pedro de Toledo, até 32 metros além do eixo da Rua Washington Luiz. Mais adiante na história, encontramos a Lei nº 1134, de 28 de abril de 1964, na gestão do prefeito Armando Biava, na qual a Rua 16 de Setembro é novamente mencionada. A partir desta data, a rua passou a ter 260 metros de extensão. É a cidade crescendo, abrindo espaços para mais casas e mais comércio.
E ela volta a ser alvo na Lei nº 4292, de 8 de julho de 1997, quando é espichada novamente até a Rua João Batista Rafael, na administração de Abelardo Camarinha.
Mas a pergunta ainda não foi respondida - por que Rua 16 de Setembro? Encontramos a resposta no livro “Marília - sua Terra, Sua Gente, de Paulo Corrêa de Lara.
A Comarca de Marília foi instalada em 16 de setembro de 1933, criada pelo Decreto nº 5.956, de 27 de junho de 1933, do então interventor federal General Waldomiro de Lima. O historiador nos conta que foi buscar esta informação em outro livro, que tem por título “Marília”, autoria do professor Glycério Póvoas.
Para entender melhor a importância da data histórica, voltamos aos tempos do patrimônio, do latim Patrimonium: “patri” (pai), e “monium” (recebido, herança). Ou seja, relendo a história, vemos pai e filho traçando as primeiras ruas, lá nos altos da igreja de Santo Antônio. Visto desta forma, o Patrimônio do Alto Cafezal é uma herança da atitude promissora de ocupação e comercialização das terras pelos fundadores Pereira e Pereirinha.
Mais adiante, quando o patrimônio já tem porte para se transformar em cidade, recebe de Bento de Abreu Sampaio Vidal o nome de Marília.
E a Comarca... porque é tão importante? Podemos dizer que Comarca é um status, uma condição que dá ao município o privilégio de ter juiz e promotor, sem a qual a cidade ficaria à mercê de outras instâncias. Governar é como um jogo de xadrez: vamos movimentando as peças no sentido de ocupar territórios, de crescer, de dotar a cidade de uma estrutura que favoreça o desenvolvimento em todas as instâncias.
Fazendo uma comparação, a Comarca estava para Marília, nos anos 30, assim como hoje está a ampliação do aeroporto “Frank Miloye Milenkovich”. Ou fazemos ou não temos logística de transporte de cargas e passageiros. E está acontecendo.
Resgato a história e volto ao período em que João Barion Jr., então diretor do CIESP, ergueu bandeira e liderou o movimento “Duplicação, Já”, exigindo a duplicação do trecho Marília - Bauru, da SP 294.
Lembro que somamos esforços com a Associação Comercial, Senac, Sesi e Sebrae, órgãos representantes de instituições da cidade ligadas ao setor empresarial, que formavam o GEAD - Grupo Empresarial de Apoio ao Desenvolvimento, e fizemos acontecer. Congestionamos a rodovia nas proximidades do trevo de Garça, levamos caminhões, muitos caminhões e, dentro da ordem, chamamos a atenção da imprensa nacional e do governo estadual.
De Comarca, aos dias atuais, fica clara a importância da união de todos em torno de objetivos comuns. Marília, cidade bela!

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário De Marília, edição de 28/09/14