Da. Maria e o neto Cleber |
Sr. Osvaldo, Da. Maria e o sócio Adolfo Teixeira |
Bastava uma ou duas passadas no canto da pia e pronto que o corte voltava rapidinho. Não raro, o gato que estava tomando sol no telhado já pulava no terreiro e corria para a cozinha. Gato esperto sabia que som de faca na beira da pia significava que a mistura do dia era peixe e sempre sobrava uma barrigada ou a cabeça para o deleite dos felinos.
Foi assim que Maria Prates de Carvalho, conhecida como ‘dona Maria da banca do peixe’, iniciou o bate papo para nos contar um pouco da sua história. Ela tem 55 anos só de feira-livre, uma vida como ela mesma diz. E adora o que faz. Começou acompanhando o primeiro marido, o senhor Osvaldo José de Carvalho; e, desde então, não parou mais.
Pouca gente tem a mesma habilidade para limpar peixe. Sobre uma pilha de caixas de plástico e uma tábua, ela improvisa a bancada ao lado da banca e vai tirando a barrigada. Tira a escama, corta o rabo ou a cabeça, tira a espinha central, separa o peixe em duas bandas e tira até a pele, tudo ao gosto do freguês.
Dona Maria contou que quando a feira era ainda na Sampaio Vidal, as bancas de peixe ficavam bem pertinho da agência dos Correios. O número de peixeiros era bem maior, tomavam conta de um lado inteiro do quarteirão. No final da feira, a prefeitura mandava um caminhão tanque para lavar a rua e, mesmo assim, o cheiro forte de peixe continuava no dia seguinte. Entre outros feirantes, dividia espaço com dois amigos japoneses, o Sakai do pito e o Kossaka.
Nesta época, os peixes vinham do Rio Paranasão e do Rio Feio, mais precisamente de Panorama e do Salto Botelho, próximo a Lucélia, cidade onde moravam. Montados no caminhão Ford, modelo F600, saíam na madrugada do sábado com destino a Marília e voltavam só na segunda-feira. A pesca era incumbência do próprio marido e do sócio, o amigo Adolfo Teixeira, que traziam do rio os Pacus, as Jurupocas, Pintados, Dourados, a Piracanjuba, e os Barbados, vendidos aos pedaços na banca.
O gelo para conservar o pescado era comprado na Bavária e colocado em pesadas caixas de madeira. Depois, era coberto com palha de arroz para evitar o derretimento mais rápido. As caixas de isopor surgiram nesta história por volta de 1965, tornando o serviço um pouco mais leve e diminuindo o consumo de gelo.
Com a regulamentação da pesca, hoje, a banca exibe poucos exemplares da água doce. O mais comum é a sardinha, que chegou bem depois, devido ao aumento da colônia japonesa em nossa cidade, que dava preferência pela iguaria. As caixas vinham de trem, direto do porto de Santos, daí a expressão sardinha fresca.
Dona Maria conta também que já limpou, em um único domingo, mais de 100 quilos de sardinha. Haja braço e disposição. Com o passar do tempo e a facilidade dos açougues, o hábito de comer peixe diminuiu muito. Tem também esta história de que a mulher moderna não gosta de cheiro de peixe na cozinha, mas, ainda assim, a sardinha fresca é a campeã de venda. Mas tem que ser vendida limpa e lavada. É chegar em casa, jogar o tempero e fritar.
A filha, Neide José de Carvalho, é a sua fiel companheira há 34 anos. Nesta lida de montar e desmontar banca, de feira em feira, são cinco por semana, formaram uma amizade que transcende o grau de parentesco. Dona Maria diz que adora o que faz e não pretende parar de trabalhar tão cedo. Criou os filhos e viu os netos crescerem com a alegria de toda mãe, e de avó, que sabe que fez e faz o melhor por todos.
Ela tem o coração do mesmo tamanho do sorriso que distribui a todos os fregueses.
Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, coluna Raízes, em 09/10/2010
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