segunda-feira, 2 de abril de 2012

Nos jardins das amizades


Deomar e a Crista de Galo, no jardim das amizades
Eu estava na tradicional feira do domingo, entre as tangerinas, também conhecidas como bergamotas, entre os caquis e as laranjas limas da vida, quando o telefone celular tocou. Do outro lado, uma voz amiga me saudou, fez algumas brincadeiras e, mesmo assim, não foi o suficiente para identificar quem estava na outra ponta da linha, se é que ainda podemos usar esta expressão. Entrosamos num bom bate papo e logo identifiquei o amigo.
E, já que a conversa estava bem descontraída, eu o convidei para saborear umas frutas. Levar para casa é bom, mas é difícil dizer se tem melancia mais gostosa do que aquela que a gente compra na barraca, já fatiada e come ali mesmo, lambuzando o beiço, escorrendo o caldo pelo queixo, molhando até o pescoço. Mais uns passos adiante e vem o vendedor de abacaxi, segurando a fruta pelo talo, já descascada, gritando em alto e bom som que é mais doce do que mel, fruta de Minas Gerais, “coisa boa, freguesia, pode provar que você nunca viu nada igual”.
O meu interlocutor aceita de bom grado a brincadeira e me pede uma fatia de melancia embrulhada para presente. Era o Deomar Brigantini, gente fina como ele só, morador do bairro Cecap Aeroporto. Foi meu colega de trabalho por muitos anos, secretário da diretoria da Fundação Eurípides, daqueles profissionais que quase não se encontra hoje em dia. Organização e presteza são sua marca registrada, isso sem contar que sempre tinha, e ainda tem, uma boa anedota ou um causo dos bons para contar.
Ele me fez o convite para ir até a sua casa fotografar a Crista de Galo que estava no jardim. Já deu para perceber que o Deomar é daquele tempo em que casa boa de morar tem que ter jardim bonito na frente, com pé de rosas, de diferentes cores, com dálias enormes, daquele vermelho encarnado, com pé de arnica, mato besta que ele só, mas que sempre ajuda a tirar a dor quando de molho no álcool, e ainda uns tomateiros perdidos entre as folhagens, de onde ele diz que já colheu mais de três quilos e fez boas saladas.
Fazia um bom tempo que a gente não se encontrava e achei o convite uma boa oportunidade de colocar a conversa em dia e apertar a sua mão. Surpreendi-me assim que cheguei ao endereço; impressão das melhores não poderia ter. Tudo arrumadinho, chão varrido, paredes bem pintadas, detalhes de harmonia aqui e ali, e o jardim, que logo percebi ser o cartão de visita da casa. A Crista de Galo, enorme, estava lá, soberana entre as ramagens, e mereceu boas fotos.
Depois, aceitei outro convite e fui até os fundos do terreno conhecer o quintal. Terreno bem cuidado, com pé de laranja lima da Pérsia, de acerola, de boldo, de banana nanica, de mamão macho, que dá flores em pêndulos e que são ótimas para se ferver com água, mais um pouco de mel ou açúcar e pronto, não há xarope para tosse melhor do que este preparado. Senti-me em casa, tamanha a simpatia e acolhida, dele e de toda a família, que já estava nos preparativos do almoço.
No chão de terra, uma rolinha Fogo-Pago, solitária, ciscava entre os gravetos e andava de um lado para outro, despreocupada. Mal sabia ela que, em tempos no passado, este amigo visitante andava de calças curtas e não se separava do estilingue feito com tripa de mico e do bornal com bolinhas de gude. Haja pecado pra se pagar.
Lá na cozinha, assim que o alho caiu no azeite quente, o aroma invadiu o ar e denunciou que era hora da visita acabar. Hora da fome.
Nas despedidas, ganhei um saco de acerolas para fazer suco, ganhei lima e a recomendação para fazer uma boa caipirinha com a fruta, ganhei também a oportunidade de rever um amigo querido e sua família, ganhei o domingo.
Tudo porque a Crista de Galo cresceu mais do que o comum.
Ivan Evangelista Jr
É membro a Comissão de Registros Históricos de Marília

Um comentário:

  1. Que belo!
    As imagens, narradas com muita leveza, que levaram de volta à infância, passada em Garça.
    Obrigada por nos brindar com histórias como essa, caro Ivan. Grande abraço!

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