Se tem algo que faz bem a todo escritor, seja
roteirista, cronista, autor ou articulista, é encontrar-se com seus leitores e
ouvir um comentário sobre suas publicações. Foi assim que fiquei muito feliz ao
encontrar o amigo José Carlos de Lima, o Preá, carteiro de profissão, há mais
de 39 anos, no domingo passado, quando ele me disse que gostou do que leu na
coluna Raízes, publicada no dia 14 de setembro.
Porém, como bom carteiro que é, emendou logo em
seguida: "Mas você se esqueceu de citar outras ruas, como por exemplo as
ruas Jaci, Peri, Caiapós". Olha só, coisa boa é ter amigos! Eu já sabia
que de uma tacada só não conseguiria reunir todas as ruas na primeira
publicação, e é certo que com mais esta ainda vão escapar outras tantas. Mas aí
é que está o prazer do escritor, na descoberta, na pesquisa, na provocação e no
interagir com os leitores.
E lá fui eu, buscar novas tribos na cidade. A Rua Jaci
tem até lenda que conta sua história: Tupã criou o infinito cheio de
beleza e perfeição. Povoou de seres luminosos o vasto céu e as alturas
celestes, onde está seu reino. Criou, então, a formosa deusa Jaci, a Lua, para
ser a Rainha da Noite e trazer suavidade e encanto para a vida dos homens. Mais
tarde, ele mesmo sucumbe ao seu feitiço e a toma como esposa. Jaci era irmã de
Iara, a deusa dos lagos serenos.
Esta rua está localizada nas imediações da
"torre da TV Tem", em Marília, onde também encontramos as ruas Peri
(esteira de junco), Caiapós (Kaiapós - homens semelhantes aos macacos), Chavantes
(Xavantes - gente verdadeira) e Caetés (mata verdadeira). A Lei que institui
estas ruas é a de nº 342, de 26 de agosto de 1952, na gestão do prefeito
Adorcino de Oliveira Lyrio. No mesmo documento, encontrei as ruas Iracema, Guarani
e Ceci, porém, nos mapas atuais não foi possível localizá-las.
Um pouco mais fundo na pesquisa e encontramos a Lei
nº 358, de 25 de outubro de 1952, com anotações de alterações. Penso que o fato
tenha se dado pela passagem da rodovia do contorno (SP 333), ligando com a SP
294, em frente ao trevo da Unimar.
Continuando os trabalhos, saindo da zona oeste,
nosso destino agora é a zona leste, passando antes pela Rua Piratininga (peixe
seco), lá no bairro Alto Cafezal, pertinho da Araraquara (toca de Arara) e da
Taquaritinga (taquara branca e fina), seguimos rumo aos altos do aeroporto, mais
precisamente do Seminário São Vicente de Paulo.
É por ali que vamos encontrar outras tribos, onde
antes estava era a Vila Recreio. E lá fui eu, conferir de perto a região, por
sinal, muito agradável, com casas que me fizeram voltar nas memórias da
infância, onde os quintais ainda tem pés de fruta, que mesmo nesta secura de
fazer dó mostram flores teimosas, como vi nos cajueiros e limoeiros e em alguns
pés de mamão macho. Tem casa de tábua com chaminé de fogão a lenha, tem aquele
romantismo dos bairros onde o aroma do feijão quente corre na brisa nas ruas,
perto da hora da "Ave Maria".
Descobri e conheci o Sr. Antônio Pizzone e a esposa D.
Neide, ele filho do Bepo Pizzone, italiano que tinha uma granja com o nome do
bairro. Ele os irmãos trabalhavam na granja, ajudando o pai. A irmã Tereza mora
ao lado, e no terreno da casa dela conferi as instalações do grande poço
caipira que alimentava todo o sistema de bebedouro das aves e do abastecimento
de uso doméstico das casas ao redor. Havia fartura de água.
As ruas Tapuias, Iporãs (rio bonito), Cacique (chefe
da tribo), Tupinambás, Tamôios (avós), Tupis (Tupi-grande pai) e Tapájós foram
regulamentadas pela Lei de 29 de agosto de 1949, doação de área ao então
prefeito Miguel Argolo Ferrão, por Gumercindo Muniz Sampaio e Leonardo Pires da
Luz. Na Tupinambás, tem construções de madeira, com galo cantando e caramanchão
de Flor de Primavera, fazendo moldura pra casinha caiada. Minha nossa, quanta
poesia esse bairro ainda tem.
Considerando as datas das leis que instituíram os
nomes destas ruas, nota-se claramente a influência histórica da colonização que
o homem "civilizado" impôs aos primeiros donos da terra. Batalhas
sangrentas, massacres e extermínios de tribos. Uma luta de corpos e de crenças,
com direito a espetar cabeças decepadas em estacas ao longo das trilhas das
comitivas. E foi antes, bem antes, que esta história toda começou, como podemos
conferir na letra da música "Peixinhos do Mar", de Milton Nascimento.
Gente que vem de Lisboa
Gente que vem pelo mar
Laço de fita amarela
Na ponta da vela
no meio do mar
Gente que vem pelo mar
Laço de fita amarela
Na ponta da vela
no meio do mar
Ei nós, que viemos
De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala
Nós queremos é guerrear
De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala
Nós queremos é guerrear
Quem me ensinou a nadar
Quem me ensinou a nadar
Foi, foi marinheiro
Foi os peixinhos do mar
Quem me ensinou a nadar
Foi, foi marinheiro
Foi os peixinhos do mar
Ei nós, que viemos
De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala
Nós queremos é guerrear.
De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala
Nós queremos é guerrear.
E se a sua rua também tem nome indígena, pode
mandar um e-mail pra gente contando alguma curiosidade, destacando construções
ou fachadas, personagens que moram ou que já moraram nela e outras sugestões.
Vai ser bem legal receber suas contribuições, e dias destes, mergulhando em
busca de nossas raízes, podemos nos encontrar por aqui.
Ivan Evangelista Jr. é membro da
Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 21/09/2014
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