sábado, 13 de janeiro de 2018

O Ave Noturna e seu Cadillac voador

A camionete  com placa preta de originalidade
Durante muito tempo a esquina da Rua Bandeirantes com a Rua Feijó foi vitrine de exposição para uma das camionetes mais bonitas produzidas pela Ford no pós-guerra. A F-150 brilhava na cor verde oliva e guarda sob o capô um potente motor de 8 cilindros. Vez ou outra era comum passar pelas imediações e ver o seu orgulhoso proprietário dando um banho para tirar a poeira. Um senhor de estatura mediana, magro, sempre bem vestido, sustentando sobre o nariz um óculo de armação fina que guardava um olhar dócil e acolhedor. 


Simpático e acolhedor ele me recebeu um dia e me convidou para entrar e tomar um café. Foi ali que tivemos um bom diálogo que me levou para o mundo fantástico da aviação e nesta oportunidade ele disse que já estava com dificuldade para renovar o brevê devido a idade já avançada. “Vai ser difícil, voar é a minha vida” disse-me ele com um sorriso de tristeza.
Aeronave está no Rio de Janeiro com novo proprietário
O senhor Bombini era conhecido como “Ave Noturna” pela razão de ser um dos pilotos pioneiros na aviação comercial noturna. Ele trabalhou para Usina Paredão, na cidade de Oriente, nos áureos tempos da produção de açúcar. Neste período de vida os patrões adquiriram uma aeronave Bonanza – F35, fabricação de 1955, cauda em V, equipamento que ele mesmo foi buscar nos Estados Unidos. Quando se aposentou fez questão de ficar com o avião que sugestivamente tem o prefixo PT-AVN, ou seja, as mesmas iniciais do seu apelido de Ave Noturna. Tamanha são a beleza e o acabamento desta aeronave que ganhou o apelido de Cadillac voador.  

Os Bombinis têm tradição na aviação. No Museu da TAM “Asas de um Sonho”, na cidade de São Carlos, tem um belo painel com foto histórica de quatro pilotos marilienses: Rubens Bombini, Renato Zanni, Nelo Ferrioli e Ari Pinheiro.  Este grupo fez muita história na aviação comercial brasileira e tudo começou aqui em Marília.
Renato Zanni e Orlando Bombini (foto: Ivan Evangelista Jr)

Orlando Bombini(o Ave Noturna) é pai do Orlando Bombini Jr que voou por 40 anos para a TAM e se aposentou no dia 2 de janeiro de 2018;  Rubens Bombini que trabalhou na COMTAX e encerrou a carreira oprfissionaL na TAM; Sérgio Bombini é irmão do Rubens Bombini, também foi piloto e atuou na aviação agrícola. Faleceu em 1971 em acidente na cidade de Taciba-SP. Na família Bombini são 11 pilotos ao todo o que mostra a paixão pela aviação.



Tenho o áudio emocionante da conversa entre o piloto e a torre de comando do aeroporto de Guarulhos que balizou o pouso do vôo TAM 8085 procedente de Londres. Em meio as orientaçõespara a aterrissagem o controlador o cumprimenta e diz: “Comandante Bombini Jr? – Sou eu. Prossiga, Bombini na escuta. Bom dia comandante, este é seu último dia voando antes da aposentadoria e quis o destino que ele acontecesse no primeiro dia de um novo ano. Novo ano que se inicia fechando com perfeição uma vida inteira dedicada na aviação. Nós da torre de controle aqui do aeroporto de Guarulhos rendemos a nossa homenagem e desejamos a você que tenha toda felicidade e prosperidade nesta nova etapa de vida. Um grande abraço e sinceros parabéns de todos nós aqui. – Muito obrigado senhores, muito obrigado mesmo e se eu embargar a voz é de emoção, pela gratidão que eu sinto agora, por ter convivido todos estes quarenta anos com a competência de vocês, nos trazendo ao solo com toda segurança, nos retornos à nossa base e a nós todos os aviadores. Especialmente palavras vindas de vocês, do órgão de tamanha envergadura que é o controle São Paulo, a torre, controle de solo,e eu gostaria de agradecer imensamente, do fundo do meu coração, desejando também um feliz ano novo e muita saúde aos seus familiares. Obrigado por estes praticamente quarenta anos, conferidos com profissionalismo e competência de vocês. Obrigado. – É isso comandante, bom dia. Parabéns mais uma vez, aqui o taxi tem outra surpresinha para o senhor ainda. Ok obrigado.”
Neste momento entra a voz de outro comandante de aeronavee pergunta: “o companheiro, a garotada ta contigo aí ou não? Ao que ele responde: Todos os Bombinis.”


Na chegada ao aeroporto o avião foi batizado com a tradicional cortina de água e saudado com sirenes.Neste vôo de despedida o comandante estava acompanhado do seu filho João Carlos Bombini Filho, um dos co-pilotos e, pleno de orgulho, testemunhou o espetáculo derradeiro que corou uma carreira brilhante. A saga dos Bombinis continua. Voar é preciso.



Bombini Jr, de camisa xadrez (foto: Ivan Evangelista Jr)
Esta semana o comandante Bombini Jr veio visitar Marília e participou da tradicional reunião do grupo Velhas Águias que congrega pilotos e comandantes da história da aviação mariliense.



Por Ivan Evangelista Jr, membro da Comissão de Registros Históricos de Marília e membro convidado do grupo Velhas Águias de Marília.  

*Publicado no Jornal da Manhã, edição de 14/01/2018, Caderno 2

Um comentário:

  1. Que texto delicioso, Ivan!
    Parabéns por mais uma obra prima. Muito bom conhecer essas histórias. Abraço

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