sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Réquiem de um Flamboyant


Desculpem meus amigos, não consegui resistir mais e tombei.
Por anos eu lhes dei sombra, frescor, agasalhei pássaros e ninhos em meus galhos e flores muito coloridas. Por anos enfentei este canto da cidade que para mim sempre foi muito especial, pois aqui, pelo que me contaram, foram terras de Bento de Abreu e foi ele quem cedeu espaço para a instalação do tratamento das águas da Cascata, para matar a nossa sede de beber e para o nosso jardim.Se vocês notarem bem eu tombei para o lado da santa, sim, a Santa Isabel que me fez boa companhia durante todos estes anos.
Igreja Santa Isabel ao fundo
Sim, ela perene, eu passageira, disto eu já sabia, porque todos nós somos aqui passageiros. Esperei virar a década para tombar e assim o fiz em homenagem ao Jatobá, meu vizinho que mora do outro lado da praça. Já fomos em maior número por aqui, temos boas histórias para contar e sei que ele será guardião das memórias.
Não me lembro ao certo qual foi a mão generosa que me plantou neste solo, porém neste momento em que me ajoelho na calçada da praça eu estendo meus galhos em direção a capela em sinal de agradecimento pela generosidade anônima. Não fico triste por partir, pelo contrário, volto ao plano universal com o sentimento do dever cumprido.
Quero também que transmitam meus agradecimentos pela companhia daquele senhor que todo dia se deitava debaixo da minha sombra. Tivemos bons diálogos;ele falando a língua dos homens e eu falando a língua das árvores, tudo na mais perfeita conexão.
Ouvi dele relatos que me impressionaram muito, ouvi também confidências de casais de namorados e de muita gente que aproveitou a minha sombra para fazer suas orações, pedindo pela saúde de amigos que estavam em tratamento na Santa Casa,preces por familiares e por eles próprios. Em todos estes momentos eu e Ele, o Deus que habita em nós, ouviu silenciosamente suas súplicas e as conduzimos aos céus.
Você não sabia disso? Nós árvores somos encantadas e temos o poder de falar com a natureza. Tanto é verdade que eu tive a honra de tombar com a força do vento que trouxe a chuva abençoada, chuva que lavou minhas folhas, meus galhos e o meu já frágil tronco.
 Daqui a pouco eu me tornarei lenha e, assim como a Fênix, eu terei o meu renascimento espiritual completando o ciclo da minha existência neste plano.
Adeus Praça Maria Isabel, adeus fonte de água, adeus Marília. Daqui do alto da Rua Nove de Julho e da Vicente Ferreira, uma ponta da antiga Fazenda Cincinatina, eu me despeço em grande estilo e levo comigo uma das mais belas vistas desta cidade que tanto amamos.
Por Ivan Evangelista Jr, membro da Comissão de Registros Históricos e fotógrafo

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