E foi ela quem me contou que o pai chegou a Marília por
volta de 1925. Era um homem acostumado a lida dura, atendia a Cia Paulista de
Estrada de Ferro, transportando toras tiradas por desbravadores do sertão
paulista para fazer os dormentes onde se deitavam os trilhos. Coisa de homem
bruto mesmo, para poucos e fortes, pois a malária e o tifo campeavam a região e
levaram muitos pioneiros e seus sonhos para o fundo da cova.
Numa época de poucos recursos da medicina cabia aos
curandeiros e raizeiros a receita para tentar driblar os malefícios. Era comum
encontrar nas cabines dos fordinhos uma garrafada, mistura de quinino com vinho
branco ou conhaque e salsaparrilha, ente outras raízes milagrosas, ainda hoje
encontradas em feiras livres e casas do ramo.
Mas não foi a febre que tirou nosso personagem central, o
Sr. Jacomo Zangarini, do ramo de transportes de tora, conforme nos contou sua
filha Sylvia Garbelini.
Numa das viagens, depois de um dia de trabalho intenso, se
acomodou como pode na cabine do caminhão enquanto o companheiro dirigia.Em
determinado momento ele viu uma luz forte à sua frente, acordou assustado e
confuso.
Não sabia se tinha batido a mão por acaso em um dos botões
dos faróis, ou se havia outro veículo vindo na direção contrária, mas logo
percebeu que não era nada disso. Foi um aviso do alto, nos conta Sylvia
emocionada; “o caminhão perdeu o freio e desceu a serra de ré, se ele
continuasse dormindo seria morte certa. Num ato rápido, ele abriu a porta e se
atirou como pode para fora do veículo, caindo na beira da estrada de pedra e
terra e com isto sofreu ferimentos graves.”
O acidente foi a gota d’água para uma decisão mais dura da
sua genitora, a Sra. Joinse Molinari Zangarini, para sentenciar que não tiraria
mais o pé de Marília. Ela estava cansada de tanta mudança, afinal, eles
acompanhavam o percurso da estrada de ferro há bom tempo. “Era tanta mudança
que ao começar arrumar a tralha, as galinhas já se deitavam no terreiro com os
pezinhos pra cima e ficavam esperando a amarra dos pés para entrar no bambu e
seguir novo destino.”
Foi assim que a família se estabeleceu definitivamente na
Rua São Luiz, 264, em casa já construída em alvenaria. Ainda em recuperação do
acidente, seu Jacomo recebeu a visita do amigo Pedro Sola e também uma nova
proposta desafiadora – instalar uma linha de ônibus para o transporte de
passageiros na cidade. A primeira linha, conta Sylvia, saía da Rua 9 de julho
(próximo da antiga rodoviária) com destino ao cemitério da Saudade, ponta de
linha. Depois veio a segunda, saindo do mesmo ponto central e com destino a
Santa Casa, atendendo ainda os trabalhadores da antiga fiação de seda, na
avenida Vicente Ferreira.
Sylvia contou também que nos fundos da casa havia uma
garagem onde funcionou uma espécie de oficina, coisa comum até os anos 70, onde
o estilo “faça você mesmo” era o remédio para não ficar dependendo de serviços
profissionais de terceiros.
Muitos dos objetos da família foram doados ao nosso museu
municipal.Ferramentas, máquina de costura tipo canelinha, rádios e vários
apitos feitos em madeira, eram usados para chamar pássaros nas caçadas. Todos
os objetos são recortes de suas lembranças de menina.
Ela perdeu o pai quando tinha sete anos de idade mas as histórias
continuam vivas em sua memória.
O nosso encontro aconteceu na sede da escola/fundação CCBEU
– Centro Cultural Brasil Estados Unidos,
rua Cel. José Braz, nº 77, que ela dirige com todo carinho e paixão pela
educação de jovens e adultos. Foi lá que aconteceu a minha exposição
fotográfica em comemoração ao 84º aniversário de Marília.
Obrigado Sylvia Garbelini por acolher o meu trabalho e as
fotos, pela segunda vez. Em nome da Comissão de Registros Históricos de
Marília, obrigado por compartilhar parte da sua história com todos nós.
Sylvia nos prometeu garimpar fotos e documentos para numa
próxima oportunidade contarmos novas histórias por aqui.
Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília e
fotógrafo
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