Contam um causo de que um pesquisador, depois de passar um
bom tempo na floresta, onde foi desenvolver um projeto sobre plantas
medicinais, ao retornar para a cidade convidou o seu guia, um índio nativo,
para vir junto e conhecer as modernidades e a vida urbana. Durante o período em
que perambulou pelas matas, aprendeu a se orientar pela posição do sol, pelos
ventos, aprendeu sobre a importância das nascentes e da água potável e muito
mais sobre as coisas realmente importantes da vida.
E assim que chegaram à cidade começaram a andar pelas ruas.
Entusiasmado, o pesquisador foi mostrando os prédios altos, mais altos que as
árvores da floresta, as vias lotadas de carros que buzinavam freneticamente e
nem sempre respeitavam as faixas para pedestres, as sedes suntuosas dos bancos
e as pessoas que lotavam calçadas e espaços públicos. Notou, no entanto, que o
amigo índio se tornou mais fechado, pouco conversava e não fazia comentários.
Ao perguntar o que se passava com ele, recebeu como resposta
que estava assustado com a cidade e que as pessoas não sabiam viver
corretamente neste espaço e sequer paravam para se cumprimentar ou para fazer
as refeições. Isto quando não estavam fechadas em seus mundos “internéticos”, com estas maquininhas
infernais que carregam invariavelmente nas mãos e nos bolsos. É claro que foi
retrucado imediatamente pelo vivente urbano e ouviu que isto era o progresso
inevitável e que a tecnologia está presente em quase tudo que fazemos.
- Mas, e a essência da vida?, perguntou o índio. - Como assim? Respondeu o cidadão.
Estavam na Sampaio Vidal, horário de pico. O índio então
pediu algumas moedas e, após pegá-las nas mãos, jogou-as para o alto e esperou
que caíssem, pedindo ao amigo urbano que prestasse muita atenção. Assim que as
moedas bateram na calçada, as pessoas diminuíram o ritmo dos passos e passaram
a procurar onde haviam caído. Foi como se um estalo mágico, uma hipnose
coletiva as tirasse de suas bolhas.
O índio olhou para o amigo e disse: é sobre isso que eu estou
falando. Você acabou de ver que o coração das pessoas está onde os seus principais
valores estão.
Esta historinha é para provocar os amigos leitores. No andar
pelas ruas da cidade pouco paramos para observar a paisagem, o contexto, os
cheiros e cores. Por vezes, dirigimos no modo piloto automático, porque fazemos
o mesmo trajeto diariamente, ou nos sentamos nos ônibus com os fones de ouvido
até o destino final.
A rua Sergipe
Do alto do seu ponto de encontro com a avenida Vicente
Ferreira, bem em frente ao portão do Yara Clube, foi onde comecei a pesquisa
para este artigo. Tive a sorte de encontrar na manhã ensolarada o amigo Marcelo
Castelassi, gerente de crédito do Santander, morador da rua desde sua infância.
No diálogo rápido, ele me contou que seu avô, Adelino Castellassi, foi um dos
primeiros moradores do bairro, e também a família Morgante, com morada na
esquina da rua São Vicente.
É o último quarteirão que encerra a via com o número 955,
destacando as floridas Quaresmeiras e os Resedás, um branco e outro rosa, entremeados
com as Mangubas, que mais parecem patas de elefantes pisando as calçadas.
Foto: Ivan Evangelista Jr |
Uma quadra mais abaixo, sentido centro, tem-se uma vista que
merece nossa parada e admiração. Vê-se dali o espigão nobre da cidade e todas
as interferências arquitetônicas que explodem em pontos salteados. Marília não
para.
Do lado direito, o prédio do Estudantado São José,
instituição mantida pelos irmãos do Sagrado Coração no passado. Atualmente, o
prédio compartilha os espaços com a Irmandade, responsável pela formação dos
religiosos, a Escola Social do Colégio Cristo Rei e o Centro Social, voltados
ao atendimento de alunos das comunidades carentes.
Descendo um pouco mais, encontramos uma casinha de
arquitetura antiga, bucólica mesmo, com a varanda ornada por arcos e tendo ao
lado a garagem, separada, como foi costume de época. No terreno ao lado direito,
um viveiro de mudas, talvez um tímido comércio, quebrando a monotonia do
quarteirão com pequenas roseiras e outras flores ornamentais que brilham ao sol
da manhã.
Na baixada da via, três casinhas de madeira resistem ao
tempo. Nos fundos dos terrenos, outras casas construídas. Vale lembrar que
antes da regulamentação pela prefeitura, era possível dividir lotes em duas ou
mais partes e construir várias casas. Pouca gente sabe, mas sob estes mesmos terrenos,
nas entranhas das galerias, ainda flui o córrego Palmital, que teve sua nascente
na baixada da rua 9 de Julho.
Estamos quase chegando na Praça São Bento, mas, antes disso,
passamos quase que despercebidos pelo Roupeiro São Vicente de Paulo, outra
importante obra dos Vicentinos, organizada em 1934, com a coordenação dos
trabalhos pela Sra. Ilze de Almeida Pirajá. Tinha por objetivo atender aos
pobres assistidos pela comunidade Vicentina. Em 1938, foi adquirido o terreno da esquina com a avenida República, sob
a presidência de D. Marina Helena Piza de Sampaio Gois, e o prédio inaugurado
em 22 de março de 1949. O roupeiro passou a ser denominado Santa Rita de Cássia,
em 1936. Na fachada, ainda é possível conferir a plaquinha branca que estampa o
nome e a informação de que o prédio é próprio.
No ano de 2008, por decisão do prefeito municipal, a praça
cedeu o espaço do coreto para que a via pudesse contar com a ligação no trecho
compreendido entre as ruas Nelson Spielman e Pedro de Toledo. Decisão polêmica,
baseada na necessidade de permitir o fluxo de veículos e ônibus que partem ou
chegam ao terminal rodoviário urbano, com a instalação de mais um bolsão de
estacionamento anexo à praça.O que pouca gente sabe é que no ano de 1974, pela
Lei 2204, de 18/09, o então prefeito Pedro Sola, incorporou à Praça Da. Maria
Isabel, o trecho mencionado da rua Sergipe, medindo 16 metros de largura por
100 de comprimento. Ou seja, a rua já separava a praça da igreja, o que houve
depois foi a volta ao estado anterior dos fatos e o alargamento da via.
Ainda na esquina com a Pedro de Toledo, casinha conservada
guarda a memória da inesquecível professora Diva de Macedo Marçal, educadora,
orientadora educacional exemplar, entre outras inúmeras qualidades, e pessoa
que muito contribuiu para a melhoria do ensino em nossa cidade.
Neste ponto de vista da paisagem, é possível fazer um
exercício mental e, ao olharmos no sentido do Yara Clube, voltar ao passado e
entender que talvez os mesmos ventos inspiradores ainda sopram, ventos que na
época de Bento de Abreu e seus seguidores conduziram o destino dos altos da
cidade com a construção da Santa Casa, da maternidade e do Educandário Bento de
Abreu.
E, para encerrar este encontro, deixo aqui uma pergunta:
quando foi a última vez que você sentou-se em um banco da praça e saboreou um
saco de pipocas quentinhas, deixando seus pensamentos flutuarem pelas paisagens
ao redor? Precisamos tomar cuidado para que os sons das moedas caídas de bolsos
alheios não cubram as notas musicais que brotam dos nossos sonhos e corações.
Ivan Evangelista Jr., membro da Comissão de Registros
Históricos de Marília
Contatos: evangelista@univem.edu.br
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 23/02/2014
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