Percorrer
as ruas da cidade para pesquisar e depois escrever estes artigos tem sido algo
muito gratificante. Podemos dizer que vemos as coisas todos os dias quando
estamos envolvidos pela rotina, porém, o olhar é diferente do ver. O olhar
invoca mais concentração, mais atenção da nossa parte, e acabamos percebendo
mais os detalhes das coisas, da paisagem, das construções. Nos envolvemos com a
história.
Foi
assim com a rua Pedro de Toledo. Percorri os seus 4 km de extensão, com início
na praça Higashi Hiroshima e finalizando na rua 06 de Setembro, a conhecida rua
do Tiro de Guerra. Busquei no percurso destacar pontos que pudessem enriquecer
um pouco este nosso encontro de domingo, mas não foi nada fácil. Parece que a
via parou no tempo. Mesmo sendo uma das
principais, que ajuda a desafogar o trânsito no sentido centro – bairro, não
apresenta grandes modificações no paisagismo urbano, salvo alguns escritórios
de contabilidade ou de advocacia que já investiram em prédios e fachadas mais
modernas.
Uma
boa visita foi ao prédio do antigo Grupo Escolar de Marília, o Thomaz Antonio
Gonzaga, a primeira escola de Marília, que tem na fachada a inscrição e a data do
ano de 1932. Descobri na visita que este prédio é um modelo de preservação da
nossa memória, visto que abriga atualmente a Diretoria de Ensino de Marília,
órgão que fiscaliza 116 escolas do ensino fundamental e do ensino médio. Duas
imponentes figueiras dão as boas-vindas aos visitantes e, nas placas instaladas
próximas dos troncos, encontramos a informação de que são espécies preservadas
pelo interesse paisagístico, portanto, imunes ao corte por decreto municipal.
Em outra placa no jardim frontal encontramos a informação de que foi o Sr.
Leonel Ramos de Oliveira, que aos 12 anos de idade plantou o Ficus-Benjamim, em
21 de setembro de 1944.
As
salas de aula, no passado cheias de alunos, hoje são ocupadas por espaços
administrativos e gente envolvida com as anotações e registros burocráticos da
vida escolar. Janelas amplas ajudam na ventilação do prédio e, mesmo com o
intenso calor destes dias, a condição ambiente era suportável, ajudada pela
altura do pé direito dos cômodos e pelos amplos corredores que deixam a
ventilação correr livre. As imensas portas de madeira são originais e, a partir
da metade, da parte superior para cima, contam com vidros, pois assim era mais
fácil a direção escola acompanhar o desenvolvimento das aulas.
O
piso é de assoalho de madeira, bem conservado e limpo. E ainda tem porões. Me
fez lembrar das professoras que pediam para os alunos pisarem com cuidado no
deslocamento dentro da sala, para evitar o “toc toc” gerado pelo contato dos
saltos de sapato com a madeira.
O
destaque maior é para a arquitetura histórica da nossa Igreja Matriz de São
Bento, que teve a pedra fundamental lançada em 1º de maio de 1929. Foi elevada a
Basílica após a criação do Bispado de Marília, em 26 de fevereiro de 1952. Os
belos jardins aos seu redor são convidativos para passeios e leituras. É na
Basílica que estão guardados os restos mortais de Bento de Abreu Sampaio Vidal
e de sua esposa Maria Izabel Sampaio Vidal, homenagem mais do que justa aos
grandes benfeitores da nossa cidade. Anote em sua agenda para aproveitar um
destes domingos e comparecer à missa das 19 horas, que tem coral e
acompanhamento musical de um grande órgão, enchendo as galerias de sons e vozes
harmônicas.
Passando
pelo prédio de número 993, lembrei que ali foi morada do nosso querido Dirceu
Maravilha, radialista esportivo que faz sucesso na capital, mas que já foi a
grande estrela do rádio marilense. A casa em questão é do tipo germinada,
expressão utilizada para casas que não possuem distanciamento com o vizinho,
compartilhando uma das paredes, que serve de divisa. O detalhe legal é que estas
residências são separadas por uma parede, mas o telhado não, ou seja, o
madeiramento serve às duas residências.
Sobre este assunto,
lembro que meu pai comentava sobre os tugúrios, que eram conjuntos de casas de
madeira construídas coladas umas nas outras. Dizia ele assim em tom de
brincadeira: “Morar nestas casa não é nada fácil, o que você fala de uma lado o
vizinho escuta do outro, se brigar com a patroa então, no outro dia o assunto
tá na rua”.
Passei
pelos fundos do Colégio das Irmãs, onde as quadras fazem divisa com a rua, e
segui adiante. Lembrei da residência do delegado Dr. Lourival Luiz Viana, e do
antigo empreendimento dos irmãos Daloia, que sempre fizeram pães e quitutes de
primeira qualidade e ainda mantinham o forno a lenha, o que dá um toque todo
especial na massa, isso sem falar do aroma de pão quente saindo do forno, que
invadia a redondeza e servia até de relógio para a vizinhança – olha só o
cheiro, tá saindo a fornada das quatro da tarde.
Nesta
mesma quadra, outros nomes ilustres já dividiram vizinhança, como o querido Moura,
dono no passado da distribuidora de bebidas da rua São Luiz, o saudoso
Barretinho, da Banda do Barreto, e o querido alfaiate e voz de ouro João
Calandrim, que faleceu tem pouco tempo.
Já
nos quarteirões que têm a numeração 1600, encontramos alguns points que são
parte do roteiro gastronômico da cidade: o Bar do Nelson e o Bar da família
Gradim, servindo costelão na brasa, porções diversas, espetinhos e os
inevitáveis torresmos, especialidade da casa. Dias destes descobri que o Nelson
está fazendo pescoço de frango frito, uma iguaria – só quem já experimentou
sabe o quanto é bom.
Antes
de chegar na indústria Marcon, temos mais dois bares que sempre reúnem bons
grupos nos finais de tarde, em busca da recuperação de energias e da breja (cerveja)
mais gelada.
Uma
curiosidade neste trecho é a borracharia que vende sabão caseiro. Já utilizei
os serviços de reparos do simpático senhor e acabei comprando o sabão que ele
faz. Na receita vai abacate, gordura reciclada, soda etc., e tem o cozimento
artesanal no tacho. Quer saber? Limpa bem mais que estes sabões modernos e tem
um cheiro bem característico, que marca o lugar onde são guardados.
Depois
do supermercado Tauste, já no quarteirão 2600, você poderá observar que até o
final da via ainda restam algumas casas de madeira. Vale lembrar aqui da fábrica
de moveis e de balaústres para cercas de madeira, depois Serraria Santa Lúcia,
do seu Arnaldo Spachi, pouco depois da esquina com a rua Antonio Prado;
funcionou até 10 anos passados. O lado
esquerdo da via divide terreno com a antiga linha férrea e os fundos da
indústria Nestlé. Neste trecho, o que ajuda na paisagem é a pista para as
caminhadas, sempre com bom movimento e algumas primaveras enfeitando a cerca e
a academia de ginástica ao ar livre, já quase no final.
Segundo
os registros do historiador Paulo Corrêa de Lara: “O nome inicial desta
Avenida era São Paulo. A mudança deste nome se prende à Revolução de 1932,
quando era interventor em São Paulo o Embaixador Pedro de Toledo que à mesma se
incorporou com dedicação e entusiasmo, sendo exilado para Portugal pelo Governo
Ditatorial quando da derrota dos Paulistas. Político brasileiro e advogado
formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, foi deputado estadual em 1895,
foi Ministro do Brasil em Roma, Madrid e Buenos Ayres. Regressou ao Brasil em
1934 e faleceu no ano de 1935 no Rio de Janeiro. Nasceu em 1860”.
Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de
Registros Históricos de Marília
Contato: evangelista@univem.edu.br
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 09/02/2014
Ivan, Maravilhoso trabalho, Memória Viva da cidade, feito com amor, Parabéns!
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