O Cardeal Arcoverde |
Já comentei que algumas ruas acabam perdendo a
identidade e passam a ser mais conhecidas pela referência popular, conquistada
ao longo dos anos, o que podemos dizer que foi um apelido que colou. Temos
vários exemplos, entre eles: a "rua do bosque", referência à
Brigadeiro Gomes, a "rua da Prefeitura", que é a rua Bahia, "a
rua da Antarctica", que mesmo com o passar dos anos ainda continua sendo a
primeira identidade da Av. Castro Alves, e a "rua do MAC", referência à Av.
Vicente Ferreira.
É um recurso de memória fácil de ser utilizado e que
acionamos de imediato quando alguém nos pede uma informação sobre determinado
serviço público ou estabelecimento. Fazemos da referência principal o centro da
atenção, e transportamos mentalmente o nosso interlocutor até aquele ponto. A partir
dele, traçamos o trajeto de acesso ao ponto desejado. Creio que isso é coisa
bem brasileira e facilita a comunicação.
Faço esta introdução porque eu mesmo tenho uma
grande dificuldade de guardar nomes de ruas, porém, as referências geográficas
visuais são para mim um recurso de primeira mão. Quando mais jovem, me
aventurei em viagem por conta própria. Acabava de receber o primeiro salário e
fazia parte dos projetos uma visita ao amigo Júlio, mariliense que havia se
mudado para São Paulo.
E lá fui eu. O destino final era o bairro São João
Clímaco, Rua Pelegrino Varane, residência da família Esteves; o pai, Francisco, trabalhou
por anos na Antarctica; dona Olinda, a mãe, foi costureira das melhores, na Rua
Coelho Neto, onde hoje está a indústria Marcom. Já na capital me indicaram ir
até o Parque Dom Pedro, donde deveria me informar sobre a linha de ônibus que
me levaria ao endereço. Andei tudo a pé, era muita novidade, e um misto de
euforia com zonzeira me tomou conta. Então, decidi que o famoso prédio do
Banespa seria o meu norte, o meu centro geográfico.
Antes de seguir ao Parque Dom Pedro, eu queria
conhecer o Sujinho, a boca do lixo, o Filé do Moraes, a Rua Santa Ifigênia, a Av.
Ipiranga, esquina com a São João, a Bela Cintra... Até então, tinha visto tudo
aquilo nos jornais e nas revistas. Era um sonho que se realizava. Cortava
galerias, atravessava avenidas, observava as pessoas naquele ritmo doido, e fui
ao Mappin, ahhhh ! o Mappin, eu estava lá e nem acreditava...
Saí do Mappin e busquei com os olhos a torre do
Banespa, daí, já sabia qual direção tomar até chegar ao Parque Dom Pedro. Para
encurtar a história, chegando ao terminal do parque, passa na minha frente um
ônibus prata com as inscrições na lateral: "São João Clímaco" e eu
pulei dentro, mais rápido que gato fugido de pega de cachorro de rua. Por
sorte, depois de passar pela Estrada das Lágrimas, descobri que o acaso havia
conspirado a meu favor e o tal ônibus me levaria até bem próximo do local
desejado. Foi o cobrador quem me contou que São João Clímaco era o nome da
empresa de transporte público, concessionária de várias linhas na capital. Ufa!
É assim que a Rua Arcoverde, em Marília, é conhecida
também como a "Rua do Correio". Caiu no consciente coletivo popular a
partir da instalação da sede própria da empresa de Correios e Telégrafos, na
esquina com a Sampaio Vidal. Antes, funcionava na Rua 4 de Abril, esquina com a
Campos Sales. No livro do historiador Paulo Lara, encontramos boas narrativas
sobre o tema.
Destaco entre elas o fato dos Correios, em certo
período da história, competirem com a Companhia Paulista de Estrada de Ferro,
visto que em todas as estações havia um posto de telégrafo. Na mesma obra,
lê-se: "... Mas o serviço telegráfico da hoje Fepasa não mais existe e o
dos Correios e Telégrafos se aperfeiçoou bastante,inclusive com o ‘Telegrama
Fonado’ há alguns anos introduzido com reais vantagens." (o livro é de janeiro de 1991)
Antiga sede da biblioteca municipal |
O terreno dos Correios era propriedade dos irmãos
Casadei, foi desapropriado pelo prefeito João Neves Camargo e passou por boa
reforma neste ano de 2014, adaptando-se às normas de acessibilidade e com
visual e instalações mais modernas.
O mesmo autor nos relata em outra publicação: "Primeiramente chamou-se ‘1º de Março’.
Talvez fosse a data do início do loteamento. Depois se chamou ‘Cel. Siqueira
Reis’, o primeiro coletor federal de Marília. Vivo este então, mudaram o nome
para Arcoverde em homenagem ao 1º Cardeal brasileiro e da América Latina,
nascido em Pesqueiro, Pernambuco, em 1850, e falecido em 1930. Seu nome
completo era Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti."
biografia |
Wilza
Matos, bibliotecária da Câmara Municipal e também membro da Comissão de
Registros Históricos, faz importante anotação de que na mesma rua residiu, por
anos, o pioneiro Sr. Kyomassa Shibuya , um dos fundadores da empresa
Sasazaki, grande admirador e cultivador de orquídeas e de bons amigos.
As placas de identificação ao longo da via variam na
forma da escrita: Arco Verde e Arcoverde, sendo esta última a forma correta.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 14/12/2014
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