Esta é mais uma daquelas histórias que a gente
"emprenha" de orelha. Conhece o termo?
É um ditado popular caipira, muito utilizado para
dizer que alguém ouviu um causo e passou para frente, daí dizer: "sobre
este assunto, ele, na certa, emprenhou de orelha e passou adiante".
Emprenhar, ficar prenha, diz-se do animal que vai dar cria; por exemplo, a vaca
está prenha. Resumindo, ouvi e estou passando pra frente do jeito que me foi
passado.
Mas a fonte é boa... veio de contador de história
que prezo muito, gente que pisou nesta terra no começo da cidade, que vinha lá
da Avenca (distrito de Avencas), no lombo de égua mansa, para fazer compras na
rua Cel. Galdino e levar pra mãe. Tudo empacotado com papel de embrulho e
amarrado com barbante, acomodado depois nos sacos alvejados, próprios para
transportar alimentos, ajeitados sobre a cela do animal, que seguia a passos
lentos até a morada.
Junto da lista escrita, a mãe dava o dinheiro, meio
que na conta certa do valor, escrevendo logo abaixo: se faltar, depois eu mando o resto; anota, por favor. Para alegrar
o garoto, hoje nosso contador de histórias, o dono da venda ajeitava um
saquinho com doces e balas que ele ia degustando pelo caminho.
Dr. Persio em foto de formatura da medicina |
Naquele tempo, tinha a Santa Casa, a Gota de Leite,
a escola de enfermagem, mas também já existia o médico de família, profissional
que visitava regularmente as fazendas e atendia com datas pré-agendadas em
locais diferentes. Entre os nomes mencionados pelo nosso contador de histórias
está o do Doutor Pérsio de Carvalho, patrono de rua no bairro Vila Nova.
Geralmente, os atendimentos eram feitos na sede das fazendas
e depois de consultar e medicar o pessoal das colônias, o doutor saía para a
redondeza, em lombo de burro ou de Jippe, dependendo das condições do caminho.
Nosso contador de causos diz assim: "na nossa
casa sempre tinha uma tira de linguiça e panceta salgada pendurada sobre o
fogão de lenha, sempre tinha um porco na lata; era botar a frigideira na chapa do
fogão a lenha e, em dois minutos, a travessa farta estava sobre a mesa. Dr.
Pérsio chegava, e passava primeiro pela cozinha, donde já se instrumentava de
uma faca e corria tirar uma lasca das peças defumadas, comidas com fatias de
pão caseiro".
Dona Isabel, anfitriã da casa, era avisada com
antecedência sobre a vinda do médico e se incumbia de avisar a vizinhança. Data
marcada, notícia vinha de cavaleiro, ou de caminhão da compra, que fazia a rota
campo e cidade. O melhor frango do terreiro já era separado. "Prende, e nos próximos dias só milho e
água, pra depurá o sangue, Dr. Pérsio vem aí, faço questão que coma bem em
nossa casa", dizia Dona Isabel ao filho.
E assim acontecia. O médico chegava e visitava os
doentes, as mulheres que estavam esperando criança, as paridas e seus rebentos,
os novos e velhos. Entre causos e contos, choros e risos, a fila andava e as
receitas iam sendo anotadas e entregues aos pacientes.Tudo sem muita frescura,
na sala de chão batido mesmo. Se tinha comprimidos nos bolsos do terno de linho
branco, ou na maletinha, já distribuía ali mesmo e dava as recomendações sobre
os períodos de resguardo.
Coisa comum naquela época era o tal de furunco, ou
furúnculo, na pronúncia correta. Difícil encontrar menino de sítio que não teve
pereba ou bicho de pé. Tinha que esperar o tal de furunco ficar maduro. Das
duas, uma: espremia pra tirar o carnegão, ou com um pouco de conversa fiada,
aquele tio mais querido ia entretendo na conversa, erguia o short e assim que a
bunda ficava à mostra e o furunco aparecia... zap, navalha afiada cortava
cirurgicamente a pele superficial, fazendo aquilo tudo explodir pra fora, igual
pipoca que estoura na panela.
Dr. Pérsio dava uma olhada no serviço feito pelo
tio, pra ver se não tinha infecção, e depois recomendava umas pílulas pra
evitar que arruinasse. Não raro, ouvia do consultado que a mistura de fumo com
urina havia sido aplicada pra garantir. Isto mesmo, fumo de corda com urina já
foi remédio contra infecção, e dos bons segundo a crença popular.
Na Cãmara Municipal, título de cidadão Mariliense |
Dr. Pérsio de Carvalho, filho de Breno de Carvalho e
Antonia Oliveira, nasceu em 7 de setembro do ano 1909, Laranjal-MG. Chegou em
Marília no ano de 1.933, trabalhou na Santa Casa e Gota de Leite, foi professor
da disciplina de Moléstias Contagiosas na escola de enfermagem. Foi presidente
da Associação Paulista de Medicina, membro ativo da comunidade dos Vicentinos e
nas campanhas de combate ao câncer e lepra. Sócio fundador do Yara Clube, do
Marília Tênis Clube e do Aeroclube de Marília, faleceu em Marília, em 5 de
março de 1.986.
Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de
Marília.
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 07/12/14
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