segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A escolinha da Associação dos jornaleiros de Marília

O garimpo sobre a origem dos nomes de ruas e personagens sempre é muito gratificante. Por muitas vezes, começo tendo apenas o nome da rua e uma única referência, um fio para puxar a meada, e a partir dali buscar outros fatos e registros que possam ajudar na composição geral. Foi assim com a produção do artigo sobre as ruas onde ainda há pessoas que fazem consertos à moda antiga.
Num tempo em que os caminhões tipo baú são a grande maioria da frota de transporte rodoviário, foi interessante encontrar um consertador de lonas, lá na Rua Prudente de Moraes, na subida, sentido da Igreja Matriz de Santo Antônio. Passando por ali, pouca gente pode imaginar que um bom trecho da nossa história está guardado em uma pasta de couro, entre lonas e máquinas de costura.
Sr. Antonio Lopes Neto
Fui lá, de forma despretensiosa, esperando registrar mais um artesão, entre tantos que estão espalhados pela cidade. O Sr. Antônio me atendeu enquanto acompanhava o funcionário Paulinho, fazendo marcações em uma grande lona amarela para fixação de ilhós de amarração.
Antes das lonas, ele trabalhou “para os padres", expressão que repete com alegria, contando sua vinda para Marília, para ajudar na finalização da cúpula da Matriz de Santo Antônio. É um faz de tudo, na expressão popular, é gente que se vira; se não dá aqui, corre pra lá, e vai vivendo a vida e ganhando o pão de cada dia.
Contou que costurava sacaria quando os caminhões de amendoim e algodão lotavam as imediações da indústria Matarazzo, na Av. Castro Alves. Comprava a sacaria, fazia os reparos necessários e já passava pra frente. Com isto, mantinha suas economias em ordem.
Depois de um certo tempo e com o início da modernização da indústria, os caminhões passaram a ser do modelo graneleiro. As cargas, antes expostas ao tempo durante o transporte, precisavam ser mais protegidas, preservando os grãos e o algodão da umidade excessiva, o que implicava na perda de qualidade e maior demora no processo de transformação.
As enormes lonas, chamadas de encerados, cobriam as cargas ou forravam as carrocerias. No movimento de cobre e descobre, se enroscavam nos ganchos, nos parafusos ou pregos. Assim, os reparos dos rasgos foi uma segunda opção para ampliar os serviços prestados.Comprou o lote e começou ele mesmo a construção da nova sede da empresa; fez tijolo por tijolo, ergueu as paredes e armou o madeiramento da cobertura.
Foi neste mesmo período da história que os padres convidaram Antônio para assumir a coordenação da Escolinha da Associação dos Jornaleiros de Marília. A entidade beneficente funcionava em prédio localizado na esquina das ruas Paes Leme e Bonfim.
Atendia cerca de 60 crianças da comunidade, promovendo a educação e a cidadania, bem como os preparando para atuar como aprendizes nas oficinas do comércio da cidade, muito comuns neste período. Em uma das fotos que nos mostrou, aparecem os engraxates, todos devidamente uniformizados, com belas caixas de trabalho, feitas por eles mesmos.
Antônio fez questão de ressaltar que o sistema era rígido, e para continuar na escolinha dos jornaleiros, o aluno precisava seguir as regras, ser amigo e fazer os trabalhos conforme as instruções. "Muitos pais iam para o serviço e deixavam seus filhos aos nossos cuidados. A minha contribuição era a formação técnica profissional, e os padres cuidavam da educação espiritual, sempre com a efetiva participação das famílias. A escola era uma extensão da igreja e da família", afirma com convicção.  
Neste contexto, destaca duas personagens, muito atuantes na educação destes jovens, pessoas a quem ele devota grande respeito e admiração. São as irmãs Marta e Nanci Feres, da mesma família do nosso querido Feis Feres, conhecido pela histórica atuação musical e pela "Tenda do Pai Thomaz", comércio instalado na Rua Armando Sales de Oliveira, desde 1960.
Ao mostrar o álbum de fotos, que ele mesmo tirou na época, vai apontando os garotos e dando os nomes com uma facilidade que impressiona. De cada um dos personagens, ele sabe a história de vida, menciona com orgulho expoente as atividades profissionais que exerceram ou ainda exercem. Ficou claro em nosso encontro que ele assumiu uma missão de vida, e cumpriu com todo o zelo e amor, ao lado de outras pessoas que a vida juntou neste capítulo.
A finalização da torre da igreja foi o pretexto do destino para provocar a sua mudança da cidade de Assis para Marília. Tem muitas histórias para contar e tem muitos amigos.

Ivan Evangelista Jr, é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília

publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 22/02/2015


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