quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Ruas onde ainda tem conserto

O dia começava cedo para o senhor Martins Crulhas, e para os vizinhos também. Ainda com o sol se esquentando, o martelinho de madeira iniciava a toada que seguia pelo dia todo. Era descendente de iugoslavos,as  bochechas sempre vermelhas, cachimbo caído no canto da boca, ele mantinha a oficina artesanal nos fundos da casa localizada na esquina das Ruas 24 de dezembro e Catanduva.
Debaixo de um telheiro, uma infinidade de prateleiras, moldes e ferramentas com as quais fazia um pouco de tudo - bacias para lavar roupa, tachinhos para arrumar a louça suja, canecas para água, canecões para o banho e baldes. A matéria prima eram as latas de óleo,  da indústria Zillo, aquelas das embalagens verdes, com as imagens de amendoim .
Além dos utensílios domésticos, seu Martins também quebrava o galho fazendo consertos para a clientela. Encabava uma vassoura, batia um prego no rodinho que soltou do cabo, apertava uma torneira,  arrumava um sifão de pia, ajustava o trinco do portão e colocava cabo em panelas de alumínio.
Na mesma rua Catanduva , o sapateiro completava a sinfonia das batidas. Com o pé-de-ferro sobre o colo, batia e rebatia as tachinhas. A tabela pendurada na parede informava os preços dos consertos: troca de salto de madeira por salto de borracha, troca de solado, troca de fivela e de saltinho. Mais o aviso:  "Calçados não retirados em 25 dias, serão vendidos para cobrir os serviços executados."
Andando pelas ruas da cidade ainda encontramos profissionais considerados referência em suas áreas. Na feira de domingo tem dois consertadores de panela de pressão, sempre movimentados.
Oficina mantém a tradição desde a fundação
Na Rua Coronel Galdino, desde 1968 , o Sr. Iatsuo Nagatomo, faz serviços de tornearia. A oficina mantém as características originais, na porta, a velha bigorna, a forja e um torno, da marca Imor, com a data de fabricação gravada em baixo relevo(25/06/1949).
Na Rua 15 de novembro, quase esquina com a Rua Dom Pedro, em prédio residencial, banner na porta da garagem anuncia que ali tem serviços de afiação de tesouras e facas, de alicates de manicure, bem como de instrumentos cirúrgicos. Na visita ao estabelecimento
Nivaldo Pátaro, artesão das facas
o Sr. Nivaldo Pátaro, exibiu com orgulho o diploma de conclusão de curso de Cutelaria Artesanal, feito na Universidade de Brasília, e ainda tem o curso de Administração de Empresas pela Fundação Eurípides. Fazer facas artesanais é a sua especialidade.
Perguntei como surgiu esta paixão. Ele disse que veio da admiração ao trabalho de outro artesão de Marília, que por muitos anos atendeu na Rua Nove de Julho, em frente ao antigo Supermercado Pastorinho. Logo percebi que estava falando do  Sr. José Mariano de Andrade,o Mariano, um dos melhores profissionais no reparo e manutenção de armas, era conhecido na região e em todo território nacional.
Pátaro montou sua oficina desde 1985 e antes de mudar para o atual endereço, atendeu por um período na Rua Nove de Julho, pertinho do Mercadão Municipal. Foi lá que durante bom tempo teve a alegria de conviver com o vizinho de loja, o "Zezinho dos Pianos".
Zezinho do piano, Zezinho da casa da Música
E não é que o universo conspira a nosso favor! Pouco antes de me despedir da oficina de facas o simpático personagem chegou. Eu já o conhecia, do tempo em que trabalhava na Casa da Música. Cumprimentos e algumas recordações resgatadas, disparei: - e qual é a sua profissão Zezinho? -  carregador de piano, respondeu de pronto.
Eu não sabia que existia especialista nesta área, assim como não sabia de  outras curiosidades, como por exemplo, que os pianos variam de peso entre 325  a 798 Kg, ou que ao apertar uma das teclas, até ouvirmos o som da batida na corda, são acionados 88 mecanismos . Na conversa descontraída ouvi dele outra boa: "carregar pianos não é questão de força, é jeito; é saber onde pegar para não danificar o instrumento".
Na minha lista de citações, outra curiosa placa, instalada na frente da residência da Rua Santa Cecília. Anuncia - Conserto telefones - referindo-se aos aparelhos com disco de números.
Com o passar do tempo o profissional providenciou mais duas placas: - conserto telefones sem fio, faz copias de chaves e mudança de segredo de fechaduras.  A modernidade chegou.
Para concluir nosso tour pelos consertos da vida, na subida da Rua Prudente de Moraes, quase chegando na Matriz de Santo Antonio, tive a honra de conhecer o Sr. Antonio Lopes Neto. O que ele conserta? - Lona de caminhão.
Por acaso, descobri a trajetória de um importante personagem da nossa história. Ele veio para Marília para ajudar na conclusão da torre da igreja e aqui ficou.

Essa eu conto depois.

Publicado no Jornal Diário de Marília, em 15/02/2015

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