O dia
começava cedo para o senhor Martins Crulhas, e para os vizinhos também. Ainda
com o sol se esquentando, o martelinho de madeira iniciava a toada que seguia pelo
dia todo. Era descendente de iugoslavos,as
bochechas sempre vermelhas, cachimbo
caído no canto da boca, ele mantinha a oficina artesanal nos fundos da casa localizada
na esquina das Ruas 24 de dezembro e Catanduva.
Debaixo de
um telheiro, uma infinidade de prateleiras, moldes e ferramentas com as quais
fazia um pouco de tudo - bacias para lavar roupa, tachinhos para arrumar a
louça suja, canecas para água, canecões para o banho e baldes. A matéria prima
eram as latas de óleo, da indústria
Zillo, aquelas das embalagens verdes, com as imagens de amendoim .
Além dos
utensílios domésticos, seu Martins também quebrava o galho fazendo consertos
para a clientela. Encabava uma vassoura, batia um prego no rodinho que soltou
do cabo, apertava uma torneira, arrumava
um sifão de pia, ajustava o trinco do portão e colocava cabo em panelas de
alumínio.
Na mesma rua
Catanduva , o sapateiro completava a sinfonia das batidas. Com o pé-de-ferro
sobre o colo, batia e rebatia as tachinhas. A tabela pendurada na parede informava
os preços dos consertos: troca de salto de madeira por salto de borracha, troca
de solado, troca de fivela e de saltinho. Mais o aviso: "Calçados não retirados em 25 dias,
serão vendidos para cobrir os serviços executados."
Andando
pelas ruas da cidade ainda encontramos profissionais considerados referência em
suas áreas. Na feira de domingo tem dois consertadores de panela de pressão,
sempre movimentados.
Oficina mantém a tradição desde a fundação |
Na Rua
Coronel Galdino, desde 1968 , o Sr. Iatsuo Nagatomo, faz serviços de tornearia.
A oficina mantém as características originais, na porta, a velha bigorna, a
forja e um torno, da marca Imor, com a data de fabricação gravada em baixo
relevo(25/06/1949).
Na Rua 15 de
novembro, quase esquina com a Rua Dom Pedro, em prédio residencial, banner na
porta da garagem anuncia que ali tem serviços de afiação de tesouras e facas,
de alicates de manicure, bem como de instrumentos cirúrgicos. Na visita ao
estabelecimento
o Sr. Nivaldo Pátaro, exibiu com orgulho o diploma de conclusão
de curso de Cutelaria Artesanal, feito na Universidade de Brasília, e ainda tem
o curso de Administração de Empresas pela Fundação Eurípides. Fazer facas
artesanais é a sua especialidade.
Nivaldo Pátaro, artesão das facas |
Perguntei
como surgiu esta paixão. Ele disse que veio da admiração ao trabalho de outro
artesão de Marília, que por muitos anos atendeu na Rua Nove de Julho, em frente
ao antigo Supermercado Pastorinho. Logo percebi que estava falando do Sr. José Mariano de Andrade,o Mariano, um dos
melhores profissionais no reparo e manutenção de armas, era conhecido na região
e em todo território nacional.
Pátaro
montou sua oficina desde 1985 e antes de mudar para o atual endereço, atendeu
por um período na Rua Nove de Julho, pertinho do Mercadão Municipal. Foi lá que
durante bom tempo teve a alegria de conviver com o vizinho de loja, o
"Zezinho dos Pianos".
Zezinho do piano, Zezinho da casa da Música |
E não é que
o universo conspira a nosso favor! Pouco antes de me despedir da oficina de
facas o simpático personagem chegou. Eu já o conhecia, do tempo em que
trabalhava na Casa da Música. Cumprimentos e algumas recordações resgatadas,
disparei: - e qual é a sua profissão Zezinho? - carregador de piano, respondeu de pronto.
Eu não sabia
que existia especialista nesta área, assim como não sabia de outras curiosidades, como por exemplo, que os
pianos variam de peso entre 325 a 798
Kg, ou que ao apertar uma das teclas, até ouvirmos o som da batida na corda,
são acionados 88 mecanismos . Na conversa descontraída ouvi dele outra boa:
"carregar pianos não é questão de força, é jeito; é saber onde pegar para
não danificar o instrumento".
Na minha
lista de citações, outra curiosa placa, instalada na frente da residência da
Rua Santa Cecília. Anuncia - Conserto telefones - referindo-se aos aparelhos com
disco de números.
Com o passar
do tempo o profissional providenciou mais duas placas: - conserto telefones sem
fio, faz copias de chaves e mudança de segredo de fechaduras. A modernidade chegou.
Para
concluir nosso tour pelos consertos da vida, na subida da Rua Prudente de
Moraes, quase chegando na Matriz de Santo Antonio, tive a honra de conhecer o
Sr. Antonio Lopes Neto. O que ele conserta? - Lona de caminhão.
Por acaso,
descobri a trajetória de um importante personagem da nossa história. Ele veio
para Marília para ajudar na conclusão da torre da igreja e aqui ficou.
Essa eu
conto depois.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 15/02/2015
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