Passando pela Avenida
Vicente Ferreira, nesta semana, vi que o circo chegou à cidade e se instalou no
antigo terreno da fiação de seda. O lote é propriedade da prefeitura e se
tornou o novo endereço dos parques de diversões e dos circos.
Primeiro chegam as
pesadas carretas com as estruturas, depois os trailers, morada dos artistas e trabalhadores. A lona azul é
estendida sobre as estacas e logo a placa com o anúncio "hoje tem
espetáculo" é instalada. O carro com alto falante instalado sobre o teto
já começa a percorrer as ruas da cidade, anunciando os horários dos espetáculos.
Ao cruzar com um
destes veículos, me aflorou a lembrança do tempo em que os circos eram montados
na baixada da Av. Santo Antonio, esquina com a Rua Araraquara. Havia uma ponte
de concreto que passava sobre o Córrego do Pombo; o local foi aterrado e construída
a segunda rodoviária de Marília.
Os circos e parques
utilizavam esta área com muita frequência. Um mastro bem alto era erguido e
duas cornetas de alto falantes tocavam músicas o dia todo. Conforme a
intensidade do vento, a música era levada para bem longe, atraindo mais
clientes, tal qual um mantra marqueteiro. Uma das mais tocadas era “Girls just wanna have fun”, com Cyndi
Lauper, novidade e sucesso absoluto da música estrangeira. O mesmo vento
carregava o aroma da pipoca, feita na manteiga, e da maçã do amor, uma
combinação perfeita para as atrações.
Eu morava no alto da Rua
24 de dezembro. Lá de casa, ouvia a música e os anúncios: “Venha conhecer a incrível
mulher barbuda, o trem fantasma, a barraca do tiro alvo, o homem que vira
lobisomem, venha andar no carrinho de trombadas...”. Aliás, esta foi a primeira
experiência automobilística minha e de muitos amigos.
No circo, as atrações
principais giravam em torno do indomável Tigre-de-Bengala e de suas poderosas
garras, o globo da morte e os motoqueiros intrépidos, o atirador de facas de
olhos vedados e sua linda assistente, desafiando a vida na roleta russa.
Fazia uma catada de
moedas para juntar os trocos e poder andar na montanha russa, jogar na barraca
das argolas, andar na roda gigante e ver a cidade lá do alto. Com um pouco mais
de sorte, no fim da diversão, podia rachar um cachorro quente com quatro ou
cinco amigos. “Põe bastante molho que a gente vai dividir, tá?!”
Minha nossa, haja
coração! Segurar moleque em casa nestes dias era missão impossível. Mal acabava
a escola e lá estávamos nós, na porta do circo, à procura de cortesia ou de alguma
prestação de serviços que pudesse facilitar a entrada. Uma das barganhas era
levar jornais e trocar pelo ingresso, pois os papeis serviam para forrar as
jaulas dos animais que ficavam em exposição.
Outra molecagem, pela
qual muitos dos meus amigos vão queimar no fogo do inferno (só eles?), era
pegar os gatos da vizinhança e levar escondido dentro de um saco. Conta a
história que fora das vistas do público, os gatos eram jogados nas jaulas para
alimentar os tigres. Lenda ou não, por via das dúvidas, Dona Adélia, Dona Ruth,
Dona Lourdes, Dona Ambrozina e Dona Maria do Cajueiro, nossas vizinhas do
bairro, ficavam com os olhos bem abertos e tratavam de esconder seus bichanos.
De tardezinha, a
carreata do circo percorria a cidade levando as jaulas; a carreta aberta
carregando o elefante com o pé amarrado por forte corrente; a “mulher borracha”,
que se contorcia dentro de um arco improvisado em trapézio móvel; o palhaço de
peruca loira, nariz vermelho sapatos enormes; o homem mais forte do mundo, que
erguia mais de 150 Kg sem transpirar uma gota sequer; e o mágico ilusionista,
que mostrava toda sua habilidade nos truques com cartas de baralho.
Atrás da carreata,
seguia uma procissão de moleques que se embriagava com o cheiro forte dos
animais expostos ao sol, com a música alta das cornetas falantes; se
atropelavam, “pegavam rabeira” nos para-choques e ralavam os cotovelos e
joelhos, tudo na esperança de conseguir um ingresso para o espetáculo da noite.
Nas imediações deste
terreno, ficava a chácara São Carlos, bairro que mantém o mesmo nome, região
com muitas minas de água boa, favorecendo a presença e o trabalho de muitas
famílias que viviam da cultura e venda de hortaliças.
Nos altos da Rua
Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, no terreno onde se encontram instalados o
Instituto Adolpho Lutz e o Centro de Saúde, havia um grande pomar, com
jabuticabeiras e algumas árvores de porte. Restaram duas jaqueiras,
bem na
esquina com a Rua Lima e Costa, árvores tombadas mediante decreto expedido pela
Câmara Municipal de Marília, que ganharam a condição permanente de imunes ao
corte.
E hoje tem
espetáculo? Tem sim, senhor!
Ivan
Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 01/02/2015
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